Os gladiadores do século XXI
Ganhei um novo vício na internet: procuro as notícias mais polémicas ou ridículas nos jornais online e leio avidamente a caixa de comentários. É entretenimento puro.
É a verdadeira democratização da liberdade de expressão.
A internet permitiu a qualquer utilizador registar a sua opinião associada ao que se passa no nosso país e lá fora. Como noutras situações, há vantagens e desvantagens neste sistema. Por exemplo, parece-me uma ferramenta útil como alerta para gralhas ou incorreções na notícia, sendo que o jornalista consegue retificar na hora. Também é saudável que a democracia chegue a estes meios porque dá voz a uma pluralidade de opiniões que podem ser úteis para os mais variados stakeholders que leem o conteúdo. Em última análise, é uma ferramenta fantástica para sentir o pulso de uma fatia considerável de portugueses e dos diferentes públicos que existem, já que varia consoante o tipo de jornal que falamos. Mas é nesta vantagem que descai também para desvantagem.
Porque estamos também na era da democratização da opinião malformada e sem filtro.
Do vale tudo que é válido.
A verborreia que muitos utilizadores colocam traduz-se em opiniões destas, muitos deles não leem sequer a notícia, limitando-se a comentar sob o título (muitas vezes enganador). Nada disto é novidade para quem está a ler esta crónica, mas fico perplexo por comentários cuja estrutura gramatical e linguística só deve fazer sentido para quem está a escrever. Falo, sobretudo, em notícias sobre política, onde se pode ler verdadeiras analogias e metáforas sem sentido, geralmente acompanhada por muitas reticências. Para além desta descodificação necessária, mas hilariante, é também curioso acompanhar o historial dos comentários em dada notícia. Há utilizadores que devem passar umas boas horas nestas batalhas, a escrever no teclado de forma agressiva e com Caps Lock, num constante picanço que faz lembrar muitas discussões que assistia no secundário: muito falatório, mas na altura de combate físico retraiam-se (e ainda bem, não tenciono incitar à violência). Ou do famoso sketch do Gato Fedorento do “Falam, falam”, uma perfeita súmula do que é ser português.
Tudo isto leva-me ao imaginário da Roma antiga, onde em pleno Coliseu se assistia ao combate dos gladiadores. Mas aqui não há escudos ou capacetes, só espadas. Ninguém está interessado em críticas construtivas, só no ataque puro e cego. E tal como se fazia nesses espetáculos, aqui também o público vota na vida ou morte dos gladiadores com o mesmo símbolo de antigamente, mas que agora representa um like ou dislike. Quem tem mais likes, vai subindo na cadeia dos comentários e salva-se. Os outros, ficam condenados a um abismo digital sombrio, a uma morte de zeros e uns.
É o panem et circenses que temos, ainda que o panem convenha sem ser glúten e o circenses sem animais.