Os homens que queriam legalizar a violação de mulheres
Podia ser o título de um novo volume de Stieg Larsson, em que assistimos a uma narrativa de contornos selváticos, absurdos, kafkianos, uma prosa ficcional que concretiza a legalização da violação a mulheres. Mas não se trata de ficção. Trata-se de uma situação real, podemos chamar-lhe movimento, e que tem imensos apoiantes — um grupo alargado de machos brancos heteronormativos com idades várias, que pede que este desejo, entre outros igualmente horrendos, seja legalizado
Uma das figuras mais importantes neste movimento é Paul Elam («male» ao contrário) que, através da sua página «A voice for men» (uma voz para homens), vai lançando ideias para o mundo digital que se disseminam como um vírus. Antes Elam tinha uma página chamada «O misógino feliz», na qual escreveu um texto sobre as mulheres quererem ser violadas. «Nos termos mais rigorosos e empáticos possíveis, a resposta é NÃO, AS MULHERES NÃO ESTÃO A PEDIR PARA SEREM VIOLADAS. Estão a implorar por isso, porra! (…) Há por aí muitas mulheres que são esmagadas e bombardeadas por serem tão estúpidas (e arrogantes), que andam pela vida com o equivalente a um anúncio de néon a brilhar por cima das suas cabecinhas narcísicas vazias, dizendo: SOU UMA IDIOTA DE UMA CABRA INTRIGUISTA — POR FAVOR, VIOLEM-ME.» Assim é o discurso de Elam, com maiúsculas e aberrante. Para Elam, as mulheres exercem um poder sexual de tal ordem sobre os homens, que são eles afinal as vítimas. A violação surge como um meio de libertação destes machos dependentes da «pussy», como o próprio lhe chama. «Pussy» é o nome que Elam dá ao poder feminino, e garante que as mulheres perderão o poder assim que existirem robôs sexuais sofisticados que cumpram o mesmo efeito.
Outro dos líderes desta manosfera é Roosh V., que apelou à violação em propriedade privada, num texto hipócrita com o título «Como parar a violação»: «Legalizem as violações que ocorrem em propriedade privada. (…) Se seguissem esta minha proposta, as raparigas passariam a proteger o seu corpo como protegem a bolsa ou o telemóvel. Se a violação se tornar legal, uma rapariga não mais se deixará cair num estado de consciência de tal forma debilitado que a impeça de resistir a ser arrastada para um quarto por um homem com quem não se sente segura. (…) Se a nova lei fosse anunciada durante vários meses em todo o país, praticamente a partir do primeiro dia da sua entrada em vigor deixaria de haver violações.» Roosh também diz coisas como «quando vejo uma rapariga, parto do princípio que é uma puta imunda, até que alguém demonstre o contrário».
Não posso negar que foi com perplexidade e choque que li nos últimos dias A Revolta do Homem Branco, de Susanne Kaiser (editado pela Zigurate). Trata-se de um livro violentíssimo que descreve com rigor e objectividade um regresso reaccionário machista e autoritário, que visa humilhar, rebaixar e violentar as mulheres. Em muitos fóruns por todo o mundo, partilham-se dicas para violar uma mulher sem se ser levado a tribunal, planeiam-se espancamentos e assassinatos. Um verdadeiro horror que surge primeiro online e depois salta dos ecrãs para o mundo real. Trata-se de um livro que custa a crer ser documental, ensaístico. A realidade com que nos deparamos ultrapassa-nos pela perversão e maldade explícitas. Não me saem da cabeça as coisas que li, porque apesar de sabermos que o mundo é um lugar violento em que o amor é um lugar frágil, parafraseando de cor Sophia, custa a crer que o homem, ao fim de tantos séculos de horror, continue a lançar o seu medo de perder o poder, a sua frustração, sobre a mulher.