Os nossos livros favoritos de 2020

por Comunidade Cultura e Arte,    31 Dezembro, 2020
Os nossos livros favoritos de 2020
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Por esta altura, é já um lugar-comum falar sobre as adversidades que 2020 nos trouxe. Muitos recorreram aos livros para delas se abstraírem, e nós na Comunidade Cultura e Arte não fomos excepção. O que se segue são as listas pessoais de alguns de nós, com aqueles que foram os nossos livros preferidos de entre os publicados neste ano, em Portugal ou no estrangeiro.

Ana Isabel Fernandes

Para quem se interessa pelas neurociências e pelo que nos faz humanos, este ano trouxe dois livros essenciais. São eles, Sentir&Saber, de António Damásio, para quem se quiser inteirar como os sentimentos e as emoções fazem parte da nossa racionalidade; e Neuromitos, de Alexandre Castro Caldas e Joana Rato, para quem quiser ter um entendimento do nosso cérebro além dos mitos que se continuam a propagar. A colecção Fulgor Quotidiano, do Sr. Teste, também gerou bons frutos pela capacidade de lançar uma nova abordagem sobre grandes autores. Exemplo disso é a colectânea de poemas de Hannah Arendt, uma faceta menos conhecida da pensadora, e a nova edição d’O Pequeno, de George Bataille, para quem quiser conhecer o autor francês. A editora Relógio D’Água aproveitou, por sua vez, para preparar novas edições de Thomas Mann, incluindo Montanha Mágica. Thomas Mann, embora tenha defendido a participação da Alemanha na Grande Guerra, nunca foi afecto ao nazismo. Este foi o autor que nos ensinou que as grandes personalidades se revelam pelas suas dúvidas, não pelas suas certezas ou promessas de respostas fáceis e messiânicas.

1º – Sentir & Saber – António Damásio (Círculo de Leitores)

2º – Neuromitos – Alexandre Castro Caldas e Joana Rato (Contraponto)

3º – Poemas – Hannah Arendt (Sr. Teste)

4º – O Pequeno – George Bataille (Sr. Teste)

5º – Montanha Mágica – Thomas Mann (Relógio d’Água)

João Estróia Vieira

Mais do que representar uma preferência de escrita, de estilo ou do impacto que determinado livro deixou em mim, quis que este top representasse um pouco daquilo que foi o meu ano e como eu o vivi. Sem ordem de preferência, coloquei a autobiografia de Woody Allen, onde na primeira pessoa e passado anos e anos de reticências sobre se este livro alguma vez veria a “luz do dia”, finalmente está aí, para todos os seus fãs, como eu. Uma forma de conhecermos o outro lado das histórias, ou a vida, como ela foi vivida e por quem a viveu. As biografias nunca foram uma paixão literária minha, mas esta é uma excepção que abrirá outras portas, tenho a certeza, e com o sentido de humor que me fidelizou desde cedo. Trouxe também o último livro lançado pela polaca Olga Tocarczuk. Talvez nem seja o meu favorito da autora, mas gosto imenso do que ela escreve, das (imensas) metáforas que coloca na sua escrita e da mensagem que me deixa. É também nesse ponto da mensagem que chego ao certeiro lançamento do livro de Angela Davis por parte da Antígona, A Liberdade é Uma Luta Constante. Eu não preciso estar a referir porque é que este livro tem um simbolismo especial neste ano, nem tão pouco falar sobre a importância da autora neste contexto. Sinto, no entanto, que preciso dizer que não interessa quando despertamos para uma temática desde que o façamos, seja através da literatura, do Cinema ou da música. O que seja. Não há um relógio nestes temas, apesar de impreterivelmente estarmos sempre atrasados. Interessa sim tornarmo-nos seres mais empáticos, mais compreensivos, mais interessados e conhecedores. E para quê? Essa questão leva-me aos seguintes livros na minha lista. O primeiro é Portugal na Era dos Homens Fortes, uma reflexão do Bernardo Pires de Lima sobre quem são, de facto, estes “homens fortes” da política, o que os move e como eles conquistam votos, mas também como é que esta pandemia da Covid-19 nos assolou e de alguma forma os afectou também e como pode a sociedade responder à sua presença num’ A Era do Capitalismo de Vigilância. Lançado em Portugal pela Relógio D’Água era já um livro de urgente leitura nos nossos dias onde nos movemos cada vez mais online, um espaço onde somos fortemente manipulados por parte de grandes empresas que enriquecem com os nossos comportamentos nas redes.

1º – A Propósito de Nada – Woody Allen (Edições 70)

2º – Outrora e Outros Tempos – Olga Tocarczuk (Cavalo de Ferro)

3º – A Liberdade É Uma Luta Constante – Angela Davis (Antígona)

4º – Portugal na Era dos Homens Fortes – Bernardo Pires de Lima (Tinta da China)

5º – A Era do Capitalismo da Vigilância – Shoshana Zuboff (Relógio D’Água)

Magda Cruz

Este ano tentei ir aos cantos das livrarias a que não costumo ir. Aproveitei a reedição de Ficções, de Jorge Luis Borges (Quetzal), para entrar no labirinto que pode ser ler Borges – e foi uma ótima viagem. Mais para o fim do ano o caminho voltou a cruzar-se com este autor argentino quando descobri Alberto Manguel, que foi um dos leitores de Borges quando a cegueira já não lhe permitia ler. Comecei por ler Embalando a minha biblioteca, arrecadei todos os que estavam disponíveis e quando Uma História da Leitura ganhou uma nova edição, pela Tinta-da-China, entrei numa viagem, como diz o título, pelas mudanças da maneira como lemos e escrevemos. Ambos são meta-literatura, mas que isso não seja impedimento para ninguém. Manguel mete o seu cunho ao longo das páginas e enquanto aprendemos também bebemos muita literatura. Vale muito a pena descobrirem este autor, a sua história e bibliografia. Em breve teremos acesso à sua biblioteca, que doou a Lisboa, que será o Centro de Estudos de História da Leitura.

O ano trouxe-nos uma iniciativa nas redes sociais que se transformou no livro Bode Inspiratório (Relógio D’Água). A convite da escritora Ana Margarida de Carvalho, vários autores escreveram, diariamente, um capítulo da história. Foi uma espécie de cadáver esquisito composto por 46 capítulos, cada um escrito por um autor diferente. O folhetim teve a participação de artistas plásticos e tradutores e o romance é uma edição bilíngue escrita nos tempos de confinamento em Portugal. O primeiro capítulo é da autoria de Mário de Carvalho, o último de Luísa Costa Gomes. Achei tão interessante e envolvente que logo no princípio do folhetim falei com Ana Margarida de Carvalho no meu podcast (Ponto Final, Parágrafo). Perdoem-me a publicidade, mas vale sempre a pena ouvir.

Também apostei em autores que não conhecia. Encontrei os contos de Lucia Berlin na reedição de Manual para Mulheres de Limpeza (Alfaguara), um título sugerido pela escritora Joana Bértholo no meu podcast. O livro surgiu numa altura em que não conseguia ler quase nada e, por isso, sempre que podia fugia para as cidades onde uma personagem feminina nos mostrava, em contos relativamente curtos, como eram os dias numa cidade cansada, numa rotina de vícios, com uma linguagem leve para descrever situações tão obscuras. Arrisco dizer que, de toda a lista, se quiserem pegar numa leitura, que seja esta. Bem, esta ou em Coisas de Loucos: o que eles deixaram no manicómio, da jornalista Catarina Gomes (Tinta-da-China), que passou anos a investigar a vida de pessoas que estiveram no primeiro hospital psiquiátrico português, o Miguel Bombarda. O livro parte de algo simples: uma caixa empoeirada com alguns objetos à primeira vista triviais. Há pedaços de papel, chaves, fotografias, que se transformaram em pistas para resgatar memórias. Tudo para nos explicar que tudo é irónico – a começar pelo título. Pela minha formação em Jornalismo, este livro interessava-me tanto pelas histórias como pela forma como são contadas. Catarina Gomes fez-lhes a justiça possível depois de anos isolados.

1º – Ficções – Jorge Luis Borges (Quetzal)

2º – Uma História da Leitura – Alberto Manguel (Tinta-da-China)

3º – Bode Inspiratório – Vários Autores (Relógio d’Água)

4º – Manual para Mulheres de Limpeza – Lucia Berlin (Alfaguara)

5º – Coisas de Loucos – Catarina Gomes (Tinta-da-China)

Miguel Fernandes Duarte

2020 foi, para mim, um ano mais focado na literatura estrangeira, desde Cleanness, do americano Garth Greenwell (que entrevistámos em 2018 sobre o seu livro anterior, ainda inédito em Portugal, What Belongs to You), um livro belíssimo que nos leva novamente à vida de um professor americano homossexual na Bulgária contemporânea, à antologia dos mais importantes ensaios do britânico James Wood, um dos mais afamados críticos literários do mundo, colaborador da The New Yorker há muitos anos. Também Weather, de Jenny Offill, marca o regresso em forma depois do anterior Dept. of Speculation, desta vez pegando no mesmo estilo para entrelaçar os problemas familiares com os problemas do aquecimento global. Em Portugal, finalmente temos começado a ter a obra de James Baldwin traduzida, e este ano saiu o grande O Quarto de Giovanni, provavelmente a sua melhor obra de ficção. Também por cá, e mesmo no final do ano passado (daí incluir este livro na lista deste ano), também tivemos os Cadernos de Bernfried Jarvi, obra surpreendente de Rui Manuel Amaral, uma ficção a-narrativa que se parece mais com um belo delírio.

1º – Cleanness – Garth Greenwell (Farrar, Straus and Giroux)

2º – Serious Noticing: Selected Essays, 1997-2019 – James Wood (Farrar, Straus and Giroux)

3º – O Quarto de Giovanni – James Baldwin (Alfaguara)

4º – Cadernos de Bernfried Jarvi – Rui Manuel Amaral (Snob)

5º – Weather – Jenny Offill (Knopf)

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