Os youtubers, os influencers e o Ministério da Educação entram num bar
Há sensivelmente um ano, o Ministério da Educação lançava o programa Estudo em Casa que permitiu que os alunos de todas as escolas do país pudessem ter acesso às aulas durante o início de uma pandemia que ainda estava a começar e que traria consequências para todos sem excepção. Como tal, de modo a promover a importância do programa, incitando a consciência dos mais novos perante uma situação grave que nunca tínhamos testemunhado, recorreu a um youtuber (que é também considerado influencer) para gravar um vídeo a dar alguns conselhos sobre os tempos que estávamos a viver. O vídeo foi publicado no canal do YouTube da Républica Portuguesa, no dia 24 de Março de 2020, dia do estudante. O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, fez também questão de publicar o vídeo na sua página do Instagram, mostrando o exemplo dado pelo youtuber que se associou ao movimento em questão. O Ministério, o ministro, ou a entidade responsável, poderia ter recorrido a um(a) aluno(a) carismático(a) que tivesse chegado longe numas olimpíadas internacionais, a um(a) atleta de alta competição que fosse um exemplo na consolidação dos treinos e dos estudos, ou a um(a) jovem estudante já com alguma influência na música ou nas artes que permitisse dar o exemplo aos mais novos, para a execução desse mesmo vídeo. Porém, preferiu recorrer a um youtuber com milhares de seguidores nas redes sociais. De facto o impacto seria certamente maior, ninguém iria ligar a nenhuma das opções anteriores, isso é certo. Mas no que toca a educação, colocar um youtuber a fazer um vídeo deste género não seria certamente a melhor escolha.
Nada contra os youtubers ou influencers. Existem, têm o seu trabalho, e não merecem ser censurados. No entanto, notícias recentes conotaram esse mesmo youtuber (juntamente com outros youtubers/influencers) a um esquema de burla na venda de cursos sobre criptomoedas a um preço considerável. Terá sido um hacker a piratear essas mesmas aulas e a fazer a denúncia que já está a ser investigada pela PJ. Não vamos estar aqui a discutir a questão das criptomoedas e da sua viabilidade porque isso é algo que fica ao critério de cada um. Estando a ser investigado não significa que seja culpado, num caso que mal agora começou e claro, todos são inocentes até que se prove o contrário. O próprio já exibiu um vídeo no seu canal do YouTube ao clamar a sua inocência, explicando tudo aquilo que se passou e justificando em sua defesa. Pouco importa discutir aqui se há fraude ou não, se criptomoedas são boas ou más, se se ganha muito ou pouco com isso, ou se deviam ser regularizadas para o assunto. A questão é que, numa promoção a um programa de ensino remoto, o Ministério recorreu a este youtuber, o que na altura já era, para o efeito, uma escolha pouco recomendável.
Basta entrar no seu canal do YouTube, ou nas suas redes sociais para ver toda a vida repleta de futilidades luxuosas do jovem que o Ministério da Educação escolheu para promover o programa Estudo em Casa. Carros topos de gama, viagens de luxo, roupas de alto gabarito, frases e ensinamentos bacocos e toda uma feira de futilidades que não contribuem para o enriquecimento de um jovem, apesar de serem bastantes aqueles que se deixam iludir. Muitos seguidores, muitas visualizações, boa pose, uma carinha laroca, fizerem com que o Mistério da Educação escolhesse este como o maior exemplo para os jovens estudantes na promoção do Estudo em Casa. Na verdade, tudo não passa de show off, nada de relevante, zero de conteúdo, mas claro, um tipo muito engraçado, com montes de seguidores e vídeos com milhares de visualizações. Se havia dúvidas de que a educação em Portugal estava pelas ruas da amargura ficam mais uma vez desfeitas com este caso. O mais preocupante é que, pelo andar da carruagem, este é apenas o início da morte do nosso sistema de ensino que já andava titubeante e moribundo já há algum tempo.
Relembrando os versos da célebre canção dos Da Weasel GTA, relativa ao videojogo Grand Theft Auto que marcou gerações e que ainda hoje faz tanto sucesso: “O objectivo é ser famoso não é ser bom naquilo que se faz, ninguém quer ser genial, ninguém quer ser capaz.” Ao que parece nem estes youtubers são bons a lidar com criptomoedas, nem tão geniais a fazer a sua promoção. O que se passa cada vez mais com os mais novos é algo muito semelhante a isto e é delirante que a entidade máxima e responsável pelo ensino no nosso país tenha recorrido a uma figura deste género para promover um programa de ensino alternativo que chegasse a todos os estudantes. Há quem se queixe pelo desinteresse dos alunos culpando os professores, quando o ministério da educação resolve promover este youtuber através de um vídeo de divulgação de um programa desenvolvido pelo próprio ministério. O sistema educativo em Portugal é e será responsável por aquilo que ainda está para vir nas próximas gerações dando a ideia de que estes arautos são grandes exemplos e que demonstram tudo aquilo que é mais importante na formação de um indivíduo. É mais importante ter montes de seguidores nas redes sociais do que seguir bom conteúdo nas redes sociais. É mais importante tirar um desses cursos crypto, do que entrar em Medicina ou Engenharia Aerospacial. É mais importante ver vídeos de youtubers com milhares de visualizações a dizerem banalidades do que ouvir alguns dos ensinamentos do Agostinho da Silva também disponíveis no YouTube. Por este andar, nomeadamente para as gerações futuras, ainda vai chegar o dia em que nada será mais importante, porque não haverá mais nada com que nos iremos importar.