Óscares 2018 – As nossas escolhas
Esta noite realizar-se-á a 90ª cerimónia dos Óscares. Um número redondo cuja qualidade de boa parte dos nomeados a estatueta não lhe faz totalmente jus. É com isso em mente que duas das pessoas que costumam escrever sobre Cinema na nossa página, David Bernardino e João Estróia Vieira, palpitam sobre alguns dos Óscares a serem entregues nesta noite de gala, nomeadamente sobre os filmes e actores que acham que vão ganhar e os que efectivamente acham que deveriam ganhar o prémio em causa.
As escolhas de David Bernardino:
Óscar de melhor filme:
Quem vai ganhar – Three Billboards Outside Ebbing, Missouri
Quem deveria ganhar – Phantom Thread
Este ano a lista de melhores filmes apresenta uma qualidade globalmente inferior ao ano passado, mas existem dois filmes que se superiorizam em relação a todos os outros: Phantom Thread e Three Billboards Outside Ebbing, Missouri. Enquanto Phantom Threat representa o maior achievement cinematográfico de todos os nomeados, com uma realização, interpretações e banda sonora perfeitas (é a única obra-prima do ano), Three Billboards representa o melhor que se pode fazer a nível argumentativo e de desenvolvimento de personagem, ilustrando sem pretensiosismos moralistas o sentimento de injustiça na América esquecida pelas grandes metrópoles. Shape of Water pode fazer uma surpresa, o que seria de uma enorme injustiça.
Óscar de melhor actriz principal:
Quem vai ganhar – Frances McDormand
Quem deveria ganhar – Frances McDormand
Contrariamente aos nomeados para o melhor filme, esta é uma categoria muito equilibrada onde parece que a veterana Meryl Streep é a actriz que está pior posicionada para vencer. Também contrariamente às nomeadas do ano passado, este ano a qualidade das actrizes nivela-se por cima, com três excelentes interpretações: Frances McDormand, Margot Robbie e Saoirse Ronan, e uma outra, Sally Hawkins, que beneficia mais das características da personagem que interpreta do que da interpretação em si, um pouco como Eddie Redmayne em Theory of Everything. Frances McDormand deve vencer, com justiça.
Óscar de melhor actor principal:
Quem vai ganhar – Gary Oldman
Quem deveria ganhar – Gary Oldman
A colheita de nomeados para melhor actor é menos interessante que a das homologas do sexo feminino, o que pode ser um sinal dos tempos. Destaca-se Gary Oldman, que mais que habilmente interpretar Churchill num biopic típico de óscar, consegue elevar a personalidade do próprio filme que protagoniza, com brilhantes diálogos e monólogos que perfeitamente ilustram as capacidades do veterano actor, sobrepondo-se à vantagem que a própria caracterização da personagem já poderia trazer. Daniel Day-Lewis pode fazer uma surpresa devido ao facto de ser muitas vezes rotulado como o melhor actor dos nossos tempos e de este ser alegadamente o seu último filme.
Óscar de melhor actriz secundária:
Quem vai ganhar – Allison Janey
Quem deveria ganhar – Lesley Manville
Dentro das categorias de interpretação, esta é a mais difícil de prever, já que nenhuma das nomeações é particularmente boa, nivelando-se. Com a excepção de Octavia Spencer e de Mary J. Blige, que não é actriz de profissão, as outras 3 nomeadas, por onde deverá ficar o Óscar, estão mais ligadas à televisão que ao cinema. Allison Janey provavelmente vencerá pela sua longa carreira e pelo facto de ter já vencido com este papel o Golden Globe e o Bafta, mas a justa vencedora seria Lesley Manville, com a sua interpretação misteriosa, contida e imaculada dentro da perfeição que é Phantom Thread.
Óscar de melhor actor secundário:
Quem vai ganhar – Sam Rockwell
Quem deveria ganhar – Sam Rockwell
Desta vez são os nomeados masculinos que apresentam um lote mais interessante que as suas homólogas. Sam Rockwell deverá vencer com justiça no papel de polícia racista e saloio que encontra a redenção. Willem Dafoe, o melhor que The Florida Project tem para oferecer, poderá ver também o seu papel e carreira premiados, assim como Richard Jenkins por dar vida à audaciosa personagem de um homossexual de meia idade nos anos 60.
Óscar de melhor realizador:
Quem vai ganhar – Guillermo Del Toro
Quem deveria ganhar – Paul Thomas Anderson
Num ano em que Paul Thomas Anderson nos entrega a melhor realização da sua carreira, e uma das melhores, no mínimo, da década, infelizmente parece que o Óscar irá para Guillermo Del Toro que não tem tido vergonha em assumir que o deseja arduamente. Devido ao movimento #metoo e a todo o impacto social e político que os Óscares têm tido nos últimos anos o prémio pode simbolicamente ir para Greta Gerwig, uma vez que até hoje apenas uma mulher, Kathryn Bigelow, venceu este óscar, sendo Gerwig apenas a quinta nomeada em toda a história.
Óscar de melhor argumento original:
Quem vai ganhar – The Shape of Water
Quem deveria ganhar – Three Billboards Outside Ebbing, Missouri
A fábula grotesca de Del Toro deve vencer devido à originalidade e à mistura de temáticas que atira para o seu argumento. O justo vencedor seria Three Billboards, com os seus complexos arcos de desenvolvimento de personagem, diálogos e equilíbrio entre drama e humor negro. Get Out, apelidado como o mais original filme de terror dos últimos anos, focado no racismo, pode surpreender.
Óscar de melhor argumento adaptado:
Quem vai ganhar – Call Me by Your Name
Quem deveria ganhar – Call Me by Your Name
Este é um Óscar onde um dos nomeados, Call Me by Your Name, se destaca com uma grande distância para todos os outros, com um argumento habilmente escrito, desafiador de convenções e de uma linguagem cinematográfica sensível pouco associada aos grandes prémios. Logan, apelidado como o mais dramaticamente original filme de super-heróis até hoje, talvez apenas superado por The Dark Knight, pode apanhar todos de surpresa, embora seja pouco provável que tal aconteça.
Óscar de melhor fotografia:
Quem vai ganhar: The Shape of Water
Quem deveria ganhar: Blade Runner 2049
A palete húmida de Shape of Water deverá vencer, mas a identidade tonal sólida e forte de Blade Runner 2049, provavelmente o filme mais interessante do ponto de vista visual do ano, merecia atribuir a Roger Deakins o seu primeiro óscar ao fim de 14 nomeações. The Darkest Hour parece também bem colocado para vencer, apesar de não apresentar o melhor trabalho no campo da fotografia.
Óscar de melhor banda sonora:
Quem vai ganhar: Alexandre Desplat (The Shape of Water)
Quem deveria ganhar: Jonny Greenwood (Phantom Thread)
A banda sonora de Desplat, muito inspirada em Yann Tiersen, associada à popularidade de Shape of Water devem fazer com que receba o óscar, no entanto o justo vencedor seria Jonny Greenwood, que compõe para Phantom Thread uma banda sonora de grande variedade e complexidade, quase autonomizável enquanto personagem que habita todo o filme. O ruído hipnótico e ansioso de Hans Zimmer para Dunkirk, que obteve reacções extremistas quanto à sua qualidade, pode ser o vencedor surpresa.
Óscar de melhor filme estrangeiro:
Quem vai ganhar: The Square
Quem deveria ganhar: The Square
The Square superioriza-se aos também muito elogiados pela crítica Loveless e On Body and Soul, mas a popularidade de A Fantastic Woman pode fazer com que o óscar de melhor filme estrangeiro vá para o Chile.
As escolhas de João Estróia Vieira
Óscar de melhor filme:
Quem vai ganhar – Three Billboards Outside Ebbing, Missouri
Quem deveria ganhar – Phantom Thread
Paul Thomas Anderson criou um filme imaculado e sem pontas soltas. Numa sociedade de espectáculo, que anseia por “acção” sob pena de o considerar aborrecimento, a trama lenta e delicada de PTA pode ter nesse aspecto a razão pela qual o Óscar poderá recair sobre Three Billboards Outside Ebbing, Missouri. O filme protagonizado pela fantástica Frances Mcdormand tem todos os ingredientes que Hollywood gosta e ainda a pitada de humor negro à lá irmãos Coen. A surpresa poderá ser Call Me By Your Name, o que não seria um acontecimento totalmente injusto, ou The Shape of Water, essa sim, uma decisão aberrante tendo em conta os filmes superiores que o rodeiam nesta categoria.
Óscar de melhor actriz principal:
Quem vai ganhar – Frances McDormand
Quem deveria ganhar – Frances McDormand
Não se espera grandes surpresas nas categorias de Melhor Actor e Actriz. Dos nomeados houve duas prestações que se destacaram de todas as outras, muito por culpa do filme em causa que proporciona verdadeiros tour de force de Frances McDormand para Melhor Actriz e Gary Oldman na categoria de Melhor Actor. Justo e sem grande história, a não ser que a Academia decida inventar e fazer algum tipo de compensações.
Óscar de melhor actor principal:
Quem vai ganhar – Gary Oldman
Quem deveria ganhar – Harry Dean Stanton
Que Lucky não passe despercebido, nem seja esquecido. É a interpretação de uma carreira de Harry Dean Stanton que lhe deveria valer o Óscar póstumo. Um filme maravilhoso com uma interpretação fantástica de um actor que faleceu aos 91 anos. Humano, intimista e que coloca a nú o medo da morte. A vida é irónica, mas a Academia não deveria ser. Posto isto, sobra Gary Oldman e o seu Churchill. Depois de Tinker Tailor Soldier Spy, Gary Oldman volta aqui a ter hipótese de levar para casa a estatueta de ouro. Merecido, tendo em conta os outros nomeados. The Darkest Hour é um filme feito à sua volta (obviamente) e o actor não se faz rugado, levando a obra às costas com uma excelente interpretação. Recaindo sobre Daniel Day-Lewis, também não seria mal entregue, mas não deverá acontecer, e ainda bem. Relembrar também James Franco que só não faz parte do lote (que seria bem melhor com a sua presença) por razões extra Cinema.
Óscar de melhor actriz secundária:
Quem vai ganhar – Allison Janey
Quem deveria ganhar – Lesley Manville
Será um pouco uma incógnita a atribuição deste Óscar, mas Lesley Manville tem uma interpretação que dentro de Phantom Thead ajuda na condução, de forma misteriosa e assustadoramente segura, de todo o filme. Uma âncora às interpretações principais, sobressaindo até sobre estas em alguns momentos. Teria sido interessante ver Bria Vinaite (The Florida Project) nomeada, mas Hollywood não teve coragem.
Óscar de melhor actor secundário:
Quem vai ganhar – Sam Rockwell
Quem deveria ganhar – Armie Hammer
Se Timothée Chalamet está nomeado para actor principal, muito poderá agradecer a Armie Hammer e à sua interpretação enquanto seu par romântico em Call Me By Your Name, razão pela qual não se percebe o esquecimento sobre o actor. Não estando nomeado, é sobre Sam Rockwell que recai o favoritismo.
Óscar de melhor realizador:
Quem vai ganhar – Guillermo Del Toro
Quem deveria ganhar – Paul Thomas Anderson
Pelas razões que tornam Phantom Thread no melhor filme, Paul Thomas Anderson deveria receber o galardão para Melhor Realizador. Se a casa de Woodcock produz os melhores vestidos, é na casa de PTA que se fazem algumas das obras mais interessantes dos nossos tempos. Não recaindo sobre si essa escolha, deveria estar nomeado Denis Villeneuve, assim como o seu Blade Runner 2049 deveria estar nomeado para melhor filme. Um esquecimento muito provocado pelo “fiasco” de bilheteira que foi o filme.
Óscar de melhor argumento original:
Quem vai ganhar – The Shape of Water
Quem deveria ganhar – Get Out
A história da “bela e o monstro” não é original, sobretudo se olharmos aos filmes de animação desde sempre. Temos a Bela e o Monstro, Corcunda de Notre Dame, Amphibian Man (filme russo de 1962), a peça de Paul Zindel, Let Me Hear You Whisper, O Monstro da Lagoa Negra e as semelhanças com o mundo de Amélie desarmam qualquer argumento de originalidade do filme de Del Toro, por mais que se diga o contrário. A juntar a isto as pitadas do racismo, homofobia, assédio sexual, de forma tão leviana, é quase insultuoso que The Shape of Water ganhe a estatueta, mas assim deverá acontecer. Get Out, por outro lado, traz a temática do racismo como nunca antes visto, num filme inteligente de terror (quão difícil é ver um filme de terror nestas andanças…).
Óscar de melhor argumento adaptado:
Quem vai ganhar – Call Me By Your Name
Quem deveria ganhar – Logan
O Logan de James Mangold desconstruiu tudo aquilo que vínhamos tendo como certo em filmes de super-heróis. Escrito por Mangold, Scott Frank e Michael Green, Logan salta dos comics e emancipa-se enquanto western noir a fazer lembrar o fantástico Wind River de Taylor Sheridan, também lançado o ano passado. Logan ganha profundidade, dor e lamento na sua existência de uma forma como até aqui o Universo X-Men nem os outros filmes à volta de Wolverine lhe tinham conseguido dar. A ser entregue a Call Me By Your Name, o Óscar não ficará em más mãos, mas poderia e deveria fazer realmente a diferença ao ser entregue a Logan pela forma como reinventou os filmes de super-heróis, tirando-os do seu Universo “fantástico” e dando-lhes mais humanidade e menos cor à sua volta.
Óscar de melhor fotografia:
Quem vai ganhar: The Shape of Water
Quem deveria ganhar: Blade Runner 2049
A palete de cores do mestre da fotografia em cinema, Roger Deakins, devia ser motivo suficiente para atribuir a Blade Runner 2049 pelo menos um dos prémios de relevância maior como este. São incontáveis os momentos eternizáveis na obra de Denis Villeneuve, muito por culpa de Deakins. No entanto, o verde e azul de The Shape of Water, numa obra que neste aspecto tem muito de Tim Burton, talvez leve a melhor, injustamente.
Óscar de melhor banda sonora:
Quem vai ganhar: Jonny Greenwood (Phantom Thread)
Quem deveria ganhar: Jonny Greenwood (Phantom Thread)
Jonny Greenwood guia-nos com perfeição e delicadeza ao longo de toda a duração de Phantom Thread. Deverá ser motivo mais que suficiente para levar para casa a estatueta. No entanto, Desplat e a sua obra tremendamente inspirada em Amélie e Yann Tiersen pode causar uma surpresa desagradável. Hans Zimmer é outro habitué, mas a sua banda sonora em Dunkirk tem tanto de intensa como de irritante e exagerada, querendo-se por vezes sobrepôr à própria obra tapando algumas das suas lacunas.
Óscar de melhor filme estrangeiro:
Quem vai ganhar: Uma incógnita
Quem deveria ganhar: The Square
The Square e On Body And Soul são dois grandes favoritos, mas este é sempre um Óscar imprevisível de se atribuir por se guiar bastante por decisões políticas e estratégicas. O provocador The Square talvez leve vantagem.
Artigo escrito por David Bernardino e João Estróia Vieira