Paus exploram monumentalidade insular em ‘Madeira’

por João Rosa,    15 Abril, 2018
Paus exploram monumentalidade insular em ‘Madeira’
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Em 2010, É uma água, primeiro EP dos recém-surgidos Paus, destilava o som da banda com icónica candura: uma bateria siamesa, um baixo maior que a tua mãe e teclados que te fazem sentir coisas. O slogan, e, em particular, a força ensurdecedora da carismática bateria, acabaria por alicerçar o sucesso da banda, juntando em si um cocktail de géneros musicais praticamente inéditos em solo nacional na época, num lançamento homónimo (2011) onde misturava sem pudor polirritmos de Battles e a electrónica cáustica de Black Dice, dissolvendo-os num eficiente comprimido post-rock. E se Clarão (2014) dança com o tropical e Mitra (2016) perde o ritmo para um registo rock mais sombrio, nunca se perde, porém, o cunho distinto a que a banda habituou, numa era de fortes apostas nacionais.

Madeira, apropriadamente inspirado e gravado na ilha, expande o leque sonoro da banda, eclipsando as dispersas migalhas do slogan inicial que ainda restavam. As baterias, apesar de sempre presentes, são segundo-plano num álbum em que o centro de gravidade tem o seu protagonismo nas múltiplas camadas de electrónica: em simultâneo é ácido e violência, espaço e atmosfera. Acordes que pulsam em agudo drone progressivo marcam grande parte dos temas, num dos maiores contrastes face à paisagem sonora mais hermética dos lançamentos anteriores — Madeira explora um local físico e palpável, e pinta a sua insularidade.

Um exemplo desta mudança de paradigma avista-se nos primeiros segundos do álbum: Blusão da Ganza, faixa instrumental calma ao jeito de precoce interlúdio, arrasta-se em sobreposições de sintetizadores, marcha só mais tarde dirigida por um ritmo (incaracteristicamente) minimalista. A faixa-título, Madeira, mantém o minimalismo percussivo e introduz a textura cáustica que se torna característica ao longo do álbum. A sonoridade é assertiva e imparcial: as progressões pintam uma atmosfera neutra, mas pesada — e o mesmo se verifica com a entrega plana da letra. L123, referência suburbana, ecoa, profética, sobre a bateria que milita e dirigida pelo pulsar dos teclados — que se sobrepõem até no crescendo final. Já Sebo na Estrada e 970 Espadas assemelham-se mais à complexidade rítmica e estrutura post-rock dos primeiros lançamentos da banda: a primeira é um instrumental que se bamboleia por entre tendências jazz; a segunda centrifuga a instrumentação tropical com noise sombrio. A Mutante apresenta-se como uma das faixas mais interessantes do álbum, com enorme variação em termos tanto instrumentais como de experimentalismo em relação ao que estamos habituados da banda: sintetizadores pixelizados abrem caminho sob uma barragem de baterias que a tempo certo se abre em jam espacial. Os acordes em suspensão mantêm um controlo firme do pulso, cinematográfico — uma tendência explorada em Faca Cega com maior profundidade: apesar do ritmo marcadamente afro que dirige a música, é o dramatismo da linha de sintetizador no interlúdio final outro dos momentos mais interessantes do álbum. A faixa final, Olhar de Rojo, é um medley da cola que une todos estes sons e tendências — com 6 minutos, é a faixa mais longa do álbum, e aquela que vê Paus no seu lado mais cósmico e progressivo. O álbum é terminado em rampa de agressão, a bateria em volume crescente mergulhada na corrosão electrónica que se espalha num assobio, antes dos seus ecos implodirem no vazio.

Tal como em lançamentos anteriores, o alinhamento poderia estar melhor distribuído e a experiência mais coesa: as faixas com os gritos de eleição concentram-se no início, deixando o centro e final entregues a instrumentais mais envolvidos e menos enérgicos; problema em parte colmatado pela força de todas as faixas.

O quarto álbum de Paus é o seu mais arrojado: ao retirar protagonismo ao elemento rítmico que popularizou o seu som, abriram caminho à experimentação sonora e a formas alternativas de canalizar a energia da sua música; caminho arriscado que não teve o seu devido equilíbrio no mais anémico Mitra. A percussão hipnótica e frequentemente despida de Madeira é complementada com a sua envolvência melódica e espacial, pelo rugido profundo da agressão noise, pela atmosfera cinzenta e monumental criada pela banda: Madeira soa grande e plúmbeo, mas não soa zangado ou reacionário. Tal como a natureza, não julga e meramente existe, em espuma salgada e em negras escarpas nuas de verde.

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