Peça “G.O.L.P.” imagina em palco Portugal como uma “nação comunista perfeita” e um Chile democrático em crise
Portugal como uma “nação comunista perfeita” e um Chile democrático, que declara guerra ao Governo português para ser anexado, apresentam-se no palco do Rivoli, no Porto, em “G.O.L.P.”, uma peça que conta a história “como ela podia ter sido”.
Sete meses separam o golpe militar de 11 de setembro de 1973 no Chile, que terminou com a morte do presidente Salvador Allende e deu início à ditadura chilena, e o golpe militar de 25 de Abril de 1974 em Portugal, que terminou com a mais longa ditadura na Europa e marcou o início da democracia em Portugal.
Cinquenta anos depois, o Teatro Experimental do Porto (TEP) e o Teatro La Maria, do Chile, unem, numa coprodução, os dois países numa reconstrução da história “tal como poderia ter acontecido e não como aconteceu realmente”, ou seja, uma ucronia, em que Portugal é a única nação comunista bem-sucedida, e tem ‘gulags’ no Alentejo, e o Chile uma democracia em crise que almeja ser o que Portugal conseguiu ser.
A história de “G.O.L.P.” começa com um grupo chileno de atletas de Sopa de Letras que acabam como emissários do Governo do Chile junto do Governo português para entender o sucesso do comunismo. Os portugueses não explicam e os atletas acabam a matar o ministro dos Negócios Estrangeiros português e a declarar guerra a Portugal.
“Declaramos guerra, mas amanhã logo pela primeira hora vamos embora, vocês ganham, anexam o Chile e os nossos problemas passam a ser os vossos problemas”, avisam os atletas, de “alto gabarito”, embora sejam amadores.
“Tudo isto é absurdo e até a guerra é falsa. É um absurdo e uma comédia”, explicou, à margem de um ensaio para os jornalistas, o autor do texto e diretor da companhia La Maria, Aléxis Moreno, que encarna um dos atletas.
Segundo o diretor artístico do TEP e um dos comunistas de “G.O.L.P.”, Gonçalo Amorim, o que não era esperado era que a peça, que se estreou no Chile em setembro, “estreasse em Portugal na semana em que a Direita sobe ao poder”.
“O que não significa que a obra não ganhe uma nova camada. Quando estreámos no Chile, o contexto português era diferente e a nossa postura era corroer um bocadinho as comemorações do 25 de Abril e toda a pompa que se arma para isso, uma espécie de unanimidade nacional, engalanamo-nos para as comemorações e esquecemos que há uma prática diária, que é necessária, de uso da racionalidade e é tudo só emoção”, apontou.
Para Aléxis Moreno, a emoção é “o maior de todos os males” na sociedade das redes sociais: “É possível projetar um futuro só de discursos emocionais? Eu creio que não. O excesso de emoção, em que todos os discursos são ricos de emoção, mas falta-lhes a razão, anula a reflexão, aproveitam-se da empatia”.
“G.O.L.P.” é uma obra “em tudo política”, mas sem uma mensagem: “Os textos do Aléxis evitam passar uma mensagem. São provocações, muita tensão, muito conflito, ninguém está a salvo”.
“Este espetáculo é muito sobre a estupidez humana, sobre a dificuldade que temos de usar a razão quando ela é necessária, principalmente para tomar decisões políticas”, continuou Gonçalo Amorim.
“G.O.L.P.” faz a sua estreia nacional na quinta-feira, pelas 19:30, no palco do Grande Auditório do Teatro Rivoli, no Porto, e fica em cena até sábado.
A peça tem direção de Aléxis Moreno e Gonçalo Amorim, que também interpretam, sendo o elenco ainda composto por Alexandra Von Hummel, Pedro Vilela, Manuel Peña e Patrícia Gonçalves.
Esta é a segunda colaboração artística entre as duas companhias, que apresentaram, em 2021, “Estreito/Estrecho” em Portugal, Chile e Brasil.