Pedro de Tróia batalha contra si mesmo em “Depois Logo Se Vê”

por Bernardo Crastes,    2 Abril, 2020
Pedro de Tróia batalha contra si mesmo em “Depois Logo Se Vê”
Capa do álbum. Fotografia de Rita Borba e arte gráfica de Silas Ferreira
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Cinco anos depois do último de dois mui criativos discos lançados como cabecilha d’Os Capitães da Areia, Pedro de Tróia apresenta-se agora sozinho debaixo dos holofotes, no seu disco de estreia a solo. Depois Logo Se Vê liberta-se de conceitos extravagantes e convidados de luxo para a depuração da música pop rock de guitarras que o projecto anterior já havia aprimorado.

“Embaraçado”, o primeiro single do disco, abre-o em jeito de apresentação, para que conheçamos quem nos vai cantar. Sobre uma melodia reminiscente das canções suaves dos contemporâneos Ciclo Preparatório, conta-nos “Sempre fui embaraçado / Desde o tempo dos dentes de leite / Magro, corado, educado / Sem ponta que desaproveite”. No entanto, a confiança exalada em canções como “Salvadora” ou “Nunca Falo Demais” não nos diria isso. O synthpop delicioso da primeira e o ritmo bem compassado da segunda são comparáveis às canções mais apaixonantes d’Os Capitães da Areia, e excelentes chamarizes para um disco muito pessoal.

As letras directas, entre inseguranças e alguma auto-confiança, navegam por este equilíbrio bem millennial, com refrões orelhudos e citações directas para o livro de bolso da crise trintona. Sente-se a frustração na voz de Pedro em “Ela Não Vem” por ter confiado em quem não devia, voltando a padrões já conhecidos em gestos fúteis e frustrantes — “Mudar terra mudada / Molhar terra molhada / Cavar terra acabada” é uma letra realmente fantástica não só na componente visual que suscita, mas também na métrica que torna os versos altamente viciantes.

O refrão da balada acústica “Rés do Chão” parece ser dedicado a quem se vê preso numa situação em que não quer estar e acredita que os seus sonhos serão suficientes para a contornar, e os versos “Não é justo / Que eu queira tanto / E a vida insista em não me dar” são uma dolorosa epifania. Os andares de um prédio são metáfora para este narrador que se vê na mó de baixo, mas quer “viver no topo, no último andar / Com um terraço onde me possa agigantar”. Torcemos por ele, especialmente por sabermos que deu tudo no take derradeiro — “Imagina que morremos depois deste take”, diz Pedro numa troca jocosa com Tomás Branco, que dedilha emotivamente a guitarra acústica .

Não é difícil acreditar que o narrador sairá por cima, com a ajuda do amor que professa em “Passos Lentos”. Por mais farto de si mesmo que possa estar, por mais cactos que dê em vez de amores-perfeitos (quando ouço esta letra, só me lembro de The Good Place), por mais lentamente que os passos na direcção correcta sejam dados, há que se focar nas resoluções determinadas de quem vai deixar de lutar contra si mesmo, uma pessoa confiante o suficiente para bradar a mais gloriosa frase do disco: “Fodam-se todos aqueles que me quiserem mal”. Não ligues aos haters, Pedro.

Trazendo o fascínio de artistas portugueses com dias claros de 2019 para 2020, o álbum fecha com nem mais nem menos que “Dias Claros”. É um final agridoce, com laivos de esperança para o futuro misturada com uma resignação a par com o tom mais taciturno da melodia. O verdadeiro triunfo é a declamação em tom de confessionário, que Pedro usa para transformar os dias menos claros em combustível para prosseguir com a vida (“Mas na maioria dos dias quando me levanto fico sentado à beira da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos a segurar a cabeça / São esses os dias que me fazem crescer”). Para alguém que também veio para Lisboa em busca dos seus sonhos, esta história é particularmente tocante, pois realmente nem sempre vemos as coisas tão claras como quando sonhávamos com este futuro. Mas vale a pena não esquecer o objectivo em “insistir no caminho que escolhi / À procura de saber quem sou”.

Mesmo nas canções mais inconsequentes, como o surf rock gingão de “Óculos de Sol” ou os ecos de dream pop à Beach Fossils de “Meia Hora”, há uma nostalgia e doçura enternecedoras. Mesmo quando o refrão de “Dente de Leão” ameaça ser uma repetição de “Salvadora”, a garra com que Pedro o canta é cativante. Sente-se o trabalho que este Depois Logo Se Vê requereu e, na sua grande maioria, soa realmente a uma volta de vitória para Pedro de Tróia.

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