Pedro Domingos, o investigador de Inteligência Artificial recomendado por Bill Gates
Numa conferência, e em jeito de recomendação literária, o fundador da Microsoft Bill Gates deixou a obra de um português. De nome “The Master Algorithm” (traduzindo fica “O Algoritmo Mestre”, o multimilionário aponta para a necessidade de toda a gente a ler para se compreender os contornos e os possíveis retornos da Inteligência Artificial. Para além dessa reflexão, justifica também a sua sugestão com a grande plataforma de projeções e idealizações para todos aqueles envolvidos na investigação e configuração tecnológica. Bastou esta nota deixada por Gates para o número de vendas disparar e para estes horizontes serem percecionados com maior clareza e firmeza por um mais vasto leque de leitores.
A capa da versão portuguesa
Pedro Domingos conta com 51 anos e é investigador na área da Inteligência Artificial há mais de vinte anos. Docente na Universidade de Washington, defende o uso da tecnologia num papel auxiliar quanto ao futuro da humanidade. Porém, e antes de se firmar em continente americano, cursou no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, onde também lecionou. O motivo da decisão para a sua migração partiu das oportunidades conferidas pelos melhores grupos da área da Inteligência Artificial, fazendo lá o seu doutoramento e envolvendo-se em empreendimentos investigativos.
No seu histórico de pesquisas, vários temas e questões foram vistos e revistos, pondo a tónica essencialmente no dualismo conhecimento-máquina. A partir deste, os desafios de descobrir como um computador decide a melhor representação para o conhecimento, como o mesmo supera as suas restrições funcionais ou como os resultados se podem tornar percetíveis ao utilizador foram os passos incipientes em busca de teorias mais ambiciosas. Na aliança com questões mais concetuais e explorativas, não foi descartada a componente experimental e iterativa, explorando várias práticas e metodologias de forma a desenvolver formas mais ágeis e automáticas de se apresentar o conhecimento, para além da exposição e respetiva estruturação do mesmo. Entre outros, procedimentos probabilísticos nos quais prevalecia a vertente lógica e com esta uma forma mais aprimorada de identificar dados precisos e pertinentes para a construção do supracitado conhecimento. Tudo com base nos habituais algoritmos, estes ressaltados num parágrafo posterior.
Prevendo a utilidade da sua área com otimismo, o português considera que se trata de um agente dependente da intenção humana, embora advertindo para a exposição ao erro e para as suas limitações. Assim, assinala como principal e confirmado perigo o dos computadores dominarem o mundo, não obstante todas as suas fragilidades.
Nesse sentido, e entrando especificamente no ramo desta aprendizagem automática, Domingos fundamenta a existência da sua obra de forma a consciencializar sobre o método de utilização do sistema informático. Também no seu livro medita sobre a nova vaga de informáticos que se lançaram nesta área, visando estes programar as máquinas para aprender com a informação recolhida. É neste contexto que “aprendizagem automática” conhece o seu sentido mais restrito e direto.
“É um pouco como conduzir um carro, só os engenheiros e os mecânicos é que precisam de saber como é que funciona o motor, mas toda a gente tem de saber o que é o volante e os pedais e como os utilizar.”
Pedro Domingos sobre a importância de se conhecer e de se saber usar um computador. (à TSF)
Para que melhor se entenda a abordagem mais técnica feita pelo investigador, importa realçar que o funcionamento de um computador assenta em vários algoritmos, desempenhando as suas tarefas a partir destes. Porém, o que é procurado pelo autor é conceber e encontrar o algoritmo mestre, isto é, aquele que consiga descobrir todo e qualquer conhecimento a partir de dados. É esta a engrenagem que permite que toda a obra se desenrole numa dinâmica admirável mas sustentável. Tudo isto de forma a abrir novas portas no mundo tecnológico, este que se vê em constante mutação numa silenciosa revolução.
Como previsões futuras, Pedro Domingos aponta para os carros sem condutores e assistentes virtuais regulares nos vários pontos do mundo, sem nunca a tecnologia se superar ao homem. Num pendor mais negocial, o português aponta para o potencial existente neste ramo, equacionando até o desenvolvimento e de uma empresa “com o potencial de ser a próxima Facebook ou a Google”.
“As máquinas não são agentes independentes capazes de se voltarem contra nós, da mesma forma que o braço não se volta contra o cérebro que o controla.”
Pedro Domingos sobre as máquinas (à Visão)
Como apontador cultural para a questão da inteligência artificial, nada melhor do que remontar ao trabalho cinematográfico de Spike Jonze de 2013, de nome “Her“. O enredo expõe um indivíduo de nome Theodore Twombly que se apaixona por um exemplo do que poderá ser um sujeito autónomo criado a partir de inteligência artificial denominada Samantha. Não obstante não dispor de uma estrutura física, apresenta-se uma personalidade distintamente delineada que se afirma pela sua singularidade. Porém, e na opinião de vários especialistas, a visão realista será limitada à assistência pessoal por parte desses intervenientes de inteligência artificial e não ao padrão exposto pelo filme (seguindo uma linha mais aproximada à do computador HAL de “2001: A Space Odyssey” (1968), realizado por Stanley Kubrick). No entanto, este levanta questões relevantes quanto à hipótese de essa expectativa ser ultrapassada e do papel do ser humano nessa interação espaçada ou continuada, para além de se desconhecer onde pode chegar todo o potencial da inteligência artificial.
Outra questão que é referenciada e que envolve uma perceção mais aprofundada sobre o pendor tecnológico é o funcionamento desta inteligência. Assumido para reproduzir grosso modo das funções do cérebro, já é difícil de se distinguir aquilo que está somente limitado às funções informáticos do que é produto da inteligência tecnológica. Assim, o que desperta a diferença entre o processamento inteligente do homem e da máquina é precisamente o contexto sócio-cultural, para além das caraterísticas pessoais de cada sujeito. Também a função criativa é um elemento que se diferencia, podendo no entanto conhecer amplitude e representação numa máquina inteligente, i.e. capaz de reproduzir plenamente a pretensão do sujeito.
Com isto, debate-se amiúde como serão estabelecidas as relações entre os sistemas de inteligência artificial e os seres humanos que os usam. Tornando-se cada vez mais úteis e imprescindíveis nas rotinas diárias, os indivíduos vinculam-se a esses sistemas e, em casos extremos de fragilidade emocional, podem construir relações profundas de afeição e de conforto. Porém, esta dependência tecnológica pode também exceder os limites pré-concebidos de uma sociedade interrelacionável, em que o contacto físico e sensorial entre os seres humanos se vê atenuado. Não obstante as necessidades intrínsecas de cada um, é verificável o papel pertinente que as máquinas assumem já nas tarefas mais habituais e usuais. O papel de suporte é aquele que é visto como o objetivo a cumprir e a replicar no maior número de casos possível, facilitando o quotidiano de todos os sujeitos. Todavia, as conjeturas são mais do que as certezas e o futuro da inteligência artificial ainda é concebido com alguma desconfiança e insegurança. É neste sentido que psicólogos, antropólogos e neurocientistas unem esforços com cientistas, investigadores, programadores e informáticos de forma a conciliar esforços no desenvolvimentos de práticas e procedimentos. Tanto numa visão teórica como em ambiente experimental a ética deve estar presente e várias variáveis coordenadas de forma a garantir o desenvolvimento integrado e consagrado deste tipo de sistemas. É o papel do cinema e da arte questionar a vida em todas as suas formas de expressão e de existência, desde o mais costume sentimento até ao mais sofisticado e evidenciado empreendimento. É o papel do investigador compreender, explicar, fundamentar para depois aplicar, testar e apresentar. A arte e a ciência caminham em simultâneo dando luz a um mundo a todos consentâneo.
HAL, de 2001: A Space Odyssey (1968); e Samantha, de Her (2013).
Em suma, Pedro Domingos apresenta uma abordagem inovadora mas condutora de uma realidade cada vez mais próxima. Agarrando nos conceitos previamente estudados e entendidos da neurociência, a proposta passa por readaptá-la aos algoritmos informáticos e destes identificar e trabalhar o algoritmo mestre. Uma obra que não só é recomendada à comunidade específica mas a todos nós, especialmente àqueles mais curiosos e com um apetite aguçado pela dicotomia tecnologia-sociedade. No seu caminho paralelo e contíguo, apresentam-se as teorias e visões de um investigador com cunho luso, enquanto se abrem janelas e portas para o desenho de mais e melhores rotas.