Pedro Nuno Santos e a sociedade do espectáculo
Estamos a entrar na silly season e os pequenos prazeres estivais chamam por nós. No panorama mediático, a situação não é muito diferente e, talvez por isso, uma entrevista a um ministro tenha o condão de incendiar as redes sociais.
Se António Costa teima em não retirar a confiança política ao inenarrável Eduardo Cabrita, há outros membros do Governo que mereciam um reforço de apoio: Pedro Nuno Santos, claro está. Numa espécie de ponto prévio, devo confessar que aprecio os meus ministros com bastante sal, pimenta e limão, ao contrário da salada no prato, que deve estar isenta de temperos. PNS tem isso e, sobretudo, outros frutos que, também ficariam bem em saladas — especialmente, se forem da linhagem coração de boi, o que é aqui o caso.
O spin doctoring que a grande maioria dos cronistas faz é um condicionador de agenda e dos temas que discutimos com os amigos. Há já vários anos, Miguel Sousa Tavares, figura desse panorama, é alguém que traz momentos realmente vergonhosos à espuma dos dias (aquela entrevista a André Ventura é, efetivamente, um excelente manancial de memes — ainda bem que vivemos numa era em que existe o Insónias em Carvão). Mas a mais recente contribuição para a sociedade do espectáculo pensada por Guy Debord recebeu tempo de antena na TVI 24, com o debate — sim, porque arriscar definir aquilo como uma entrevista é, bem, arriscado. Estamos habituados a que os nossos políticos sejam ‘Yes Men’ (infelizmente, e mesmo com a lei da paridade eleitoral, continua a haver um quase deserto feminino no nosso quotidiano), que se prestem com deferência aos jornalistas e comentadores, que não mostrem o coração (muito arriscado todos os dias, quanto mais em política), que sejam os soldadinhos de chumbo de Reich. Claro está, PNS não é nada disso — e ainda bem.
Mas, enquanto antiga estudiosa da temática, há algo que me perturba no jornalismo político, especialmente o televisivo, em Portugal: a falta de preparação. Não querendo fazer uma defesa da honra governamental, a verdade é que as regras da balança comercial são bastante claras no que concerne a TAP. Mais, há exemplos verdadeiramente positivos na intervenção pública em empresas privadas, veja-se o caso da EFACEC. E o ataque cerrado a estas políticas — e mais, com argumentos como ‘a gestora fala mal línguas, não fala português’, ou ‘quanto é que irei pagar nos meus impostos’ — já cheiram a uma vichyssoise estragada. Apresentemos números, argumentos concretos e não ideológicos, que é o que ancora os elãs da grande maioria do debate em torno da TAP, por parte dos críticos.
Infelizmente, com este debacle e troca de argumento, ficou a faltar o foco em algo que, verdadeiramente, será uma herança para as gerações vindouras: a ferrovia. O Plano Ferrovário Nacional está, atualmente, a atingir a velocidade vapor, o que nos permitirá a todos uma maior coesão num país gravemente atingido por dicotomias entre o interior e o litoral. Do sonho à realidade, são factos aquilo que o Ferrovia 2020 irá trazer até 2023. Pena pena, é que escamoteemos este debate, por vias da TAP.
Pode ser que, em breve, passada a Covid, falemos a sério sobre o que realmente importa: o desenvolvimento assimétrico no nosso país.
Crónica de Ana Beatriz Rodrigues
A Ana é licenciada em Jornalismo, embora não exerça, e pós graduada em Direitos Humanos e em Estudos Europeus. Foi dirigente associativa em Coimbra, embora não seja filiada em nenhum partido.