Perder o melhor amigo
Tenho quase 56 anos e na minha vida só houve um homem a quem dei o estatuto de «melhor amigo». Ele saiu da minha vida, pelo seu próprio pé, há mais de 10 anos; mas ainda sonho com ele todas as semanas. Todas as semanas, na minha fantasia onírica, há a encenação de qualquer situação que ocasiona um reatamento da nossa amizade. O meu inconsciente é de uma criatividade incrível, pois nunca é o mesmo sonho; e em todos os sonhos, apesar da repetição, há sempre a ilusão de que DESTA VEZ não é um sonho; que desta vez é real: o desfecho do sonho é sempre que, finalmente, ficámos de novo amigos.
O meu melhor amigo era (e é) heterossexual; o que nos ligou foi «apenas» uma amizade da qual qualquer sugestão de sexo estava completamente afastada. O que é curioso é que, em relação aos meus namorados com quem não dei certo, curei-me naturalmente com a passagem do tempo. Não foi tão fácil curar-me da perda do meu melhor amigo.
Claro que a mente humana, na sua capacidade infinita para a fantasia e para a irrealidade, projecta muitas coisas que não são reais. É bem possível que essa «grande» amizade, que marcou a minha vida durante tantos anos, tenha sido uma projecção da minha própria cabeça. Muitas vezes me pergunto se não foi uma amizade 100 % unilateral. Tenho a certeza de que ele, hoje, nunca pensa em mim. Eu, porém, ainda não o extirpei do meu inconsciente.
Sendo o sexo entre namorados e cônjuges um cimento tão necessário para criar laços de afecto e de estabilidade relacional, como classificar, então, uma amizade que se baseia noutro tipo de laço – em que o afecto e a lealdade são puramente platónicos? Como superar o fim de um relacionamento que, por ser «só» amizade, carece dos esteios e dos elos que os amores sexuais têm e que, por isso, termina sem espalhafato e, aos olhos de quem observa de fora, sem qualquer importância?
O fim de um namoro leva a que, das pessoas à nossa volta, recebamos apoio e solidariedade. Quando uma amizade acaba, ninguém dá qualquer importância. E nós mesmos estamos condicionados para nos convencermos de que essa perda não é importante e, por isso, recusamos assumir esse luto.
O nosso inconsciente, contudo, não se deixa enganar. Porque sabe bem que é impotente para fechar o que ficou em aberto.