Personalidade!
A primeira coisa a dizer quando falamos de personalidade é que todas as pessoas têm uma. Esta pode ser definida como um conjunto de características individuais e relativamente estáveis que determinam padrões de perceção, relação e pensamento acerca do meio envolvente e do próprio, que se manifestam em todos os contextos da vida do indivíduo. Estas características nem sempre permitem aos indivíduos estar adaptados a todos os contextos nos quais se inserem e, quando não apresentam a capacidade de se moldar, podem constituir aquilo a que chamamos perturbações de personalidade. Esta inflexibilidade e incapacidade para a adaptação, que causam sofrimento e têm impacto na vida do indivíduo fazem sempre parte deste diagnóstico, que está também relacionado com aquilo que é expectável no contexto cultural de cada indivíduo. Com frequência estes padrões de comportamento pouco adaptados provocam perda de capacidade a nível da cognição, dos afectos, do funcionamento interpessoal ou do controlo do impulso.
A prevalência destas perturbações é pouco estudada, mas estima-se que esteja entre os 4% e os 15%. A população geral apresenta menor prevalência do que a população acompanhada nos serviços de psiquiatria e a população na qual a prevalência destas perturbações é maior é a população prisional. Na população geral é considerado que não existe diferença de incidência entre homens e mulheres, mas na população clínica a maioria dos casos apresenta-se em mulheres. A personalidade é considerada um factor patoplástico das outras doenças, ou seja, pode influenciar a sua expressão clínica, evolução e resposta ao tratamento. Pode mesmo ser factor de vulnerabilidade para o desenvolvimento de determinadas patologias.
Pessoas que tenham sofrido eventos de vida adversos na infância apresentam maior risco de desenvolvimento destas perturbações. Eventos como abuso sexual ou maus-tratos físicos, negligência ou histórico familiar de doença psiquiátrica são alguns dos eventos mais relevantes.
A classificação destas perturbações tem sido alterada de forma interessante e depende do sistema de classificação utilizado. Enquanto que na classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS) se introduziu um modelo inovador, não baseado em características qualitativas, mas antes num modelo dimensional, a classificação americana continua a categorizar individualmente cada uma destas perturbações. Desta forma, no modelo da OMS analisamos o grau de afastamento/desapego; desinibição; dissocialidade e padrão borderline, classificando depois o grau de disfunção de acordo com a gravidade. O modelo americano é diferente e acaba por ser mais fácil de expor numa crónica por ser mais sistematizado — divide as diferentes perturbações da personalidade por grupos (clusters) e diferencia estas entre si — pelo que listo, abaixo, as diferentes classificações possíveis neste modelo, com uma rápida descrição das suas principais características:
Cluster A
Esquizóide: Distanciamento social, baixa expressão emocional e não procura do contacto social;
Esquizotípica: Aspecto, comportamento, pensamento e discurso bizarros;
Paranóide: atitude de desconfiança e suspeição em relação aos outros.
Cluster B
Narcísica: Ideia de grandiosidade sobre si próprio e necessidade de admiração relativamente ao seu êxito, poder, brilhantismo, beleza. Inveja os outros ou sente que os outros o invejam. Muitas vezes traços de arrogância e altivez e muitas vezes crítico ou queixoso sobre forma de tratamento que lhe é dada;
Borderline: Instabilidade dos afectos, dos comportamentos e das relações. Reacções emocionais intensas e duradouras desproporcionais aos estímulos desencadeantes. Sensibilidade aos acontecimentos do ambiente externo, com tendência ao sentimento de rejeição ou abandono. Padrão relacional alternando entre idealização e desvalorização e tendência para a impulsividade e comportamentos autolesivos;
Histriónica: Expressão emocional excessiva, procurando ser o centro das atenções, mantendo superficialidade nas relações — dramatização, teatralidade ou comportamento sedutor. Sugestionabilidade relativamente às curcinstâncias ou interlocutor;
Antissocial: Comportamento dirigido a objectivos, desconsiderando os direitos de terceiros ou consequências que as suas atitudes possam trazer para estes. Classicamente referidos como tendo ausência de empatia e remorso, embora tantas vezes sejam sedutores e eu goste de considerar que conseguem empatizar, mas conseguem ignorar essa empatia na altura das suas escolhas. Inconformidade com normas sociais ou legais.
Cluster C
Evitante: Inibição social por sentimentos de inadequação e hipersensibilidade à avaliação negativa;
Dependente: Comportamento submisso com o objectivo de ser cuidado pelos outros, para os quais transfere a responsabilidade de áreas importantes da vida. Sentimentos de desamparo quando sozinhos e dificuldade em expressar desacordo;
Anancástica (obsessivo-compulsiva): Preocupação com organização, perfeccionismo e controlo mental e interpessoal, com inflexibilidade do comportamento e dos pensamentos. Ausência de abertura à novidade, com incapacidade de delegar tarefas.
Quanto ao tratamento destas perturbações, os estudos são pouco conclusivos, mas é consensual que deve ser feito à base de intervenções psicossociais, reservando-se o tratamento farmacológico para situações sintomáticas agudas. De entre todas estas perturbações, aquela que é mais frequentemente medicada e apresenta mais estudos científicos nesse sentido é a perturbação borderline da personalidade, sendo isso compreensível no contexto de dificuldade de controlo do impulso e grande instabilidade emocional quer essas pessoas apresentam.