Peter Murphy e David J na noite em que fizemos parte da história dos Bauhaus
Lx Factory, Lisboa, 17 de Novembro 2018, mas se disséssemos que estávamos em 1978 na cidade de Northampton, Inglaterra, é porque tínhamos entrado num portal temporal tal e qual a série ficcional “Dark”. Foi essa a sensação que tivemos ao entrar no Pavilhão das Colunas. Antigo complexo industrial de paredes de tijolo e pedras expostas, a lembrar um castelo vampiresco saído da mente de Bram Stoker. Sustentado por grandes colunas metálicas a remeter para a cena Industrial e Underground. Espaço esteticamente perfeito e que poderia ser adequado caso a acústica da sala fosse um pouco melhor para receber Peter Murphy e David J na celebração dos 40 anos dos Bauhaus. Daniel Ash e Kevin Haskins não aceitaram o convite de Murphy.
Bauhaus, a banda, surgiu no final de 1978 em Northampton, Inglaterra da reunião de Daniel Ash, David J e o seu irmão Kevin Haskins, que tocavam juntos há um tempo, e só depois se juntou Peter Murphy a convite de Daniel, amigos desde os tempos de escola.
Influenciados pelo universo dos vampiros, do oculto e o Glam Rock, principalmente por David Bowie, criaram o estilo Gotic Rock. No ano seguinte, gravaram um EP onde se destaca o single “Bela Lugosi’s Dead” e aqui o actor reencontra a imortalidade tão presente no seu papel em Drácula. A voz teatral, cénica, performativa e visceral de Peter Murphy conjugada ao baixo de David J e as inovações ambientais simultaneamente desconcertantes de Daniel Ash, chamaram a atenção da editora 4AD que editou o primeiro álbum da banda “In the Flat Field”. Os Bauhaus terminaram em 1983 deixando para a história quatro álbuns de estúdio e uma visão inspiradora e diferente até então. Passados 25 anos juntaram-se para a gravação de um novo álbum de estudio “Go Away White”…
Poucos minutos depois das 22h00, os roadies abandonaram o palco e as luzes desfaleceram para o escuro invadir a multidão que encheu por completo o recinto. Atrás do palco, um clarão surgiu com a silhueta em contra luz de Peter Murphy, de casaco em corte gótico totalmente cravejado a lantejoulas a dar aquele toque glam. Apaga o cigarro e sobe ao palco.
“Double Dare” foi o início avassalador, deixando claro que a alma dos Bauhaus está intacta, David J, sempre com os habituais óculos escuros, debitava um som musculado e distorcido, tão característico. E claro, a voz, inconfundível de Peter Murphy ressoava nos ouvidos dos fãs trazendo memórias e sentimentos que estavam ali, prontos a explodir.
Acompanhados por Mark Gemini Thwaite nas guitarras, que fez parte dos Mission e Tricky, e Marc Slutsky na bateria. Percorreram na integra, e sem tirar o pé do acelerador, o álbum “In the Flat Field”.
Pausa, silêncio, sentimos que algo mudara… Ouve-se o riff inicial de “Burning from the Inside” simples, minimalista bem ao estilo do” Movimento Bauhaus”. Entramos noutra fase do concerto, Murphy fala pela primeira vez ao público e apresenta a banda. Segue-se “Silent Hedges” e a eterna “Bela Lugosi’s Dead”.
Como em qualquer viagem há sempre algo inesperado, esta não foge à regra, é chamado ao palco Adam Labar, que conhecera no voo para o nosso país. Este músico, natural do Gana, é vice-presidente da União dos Refugiados em Portugal. Encaixou o seu djambé em modo improviso na música desconcertante “She’s in Parties”. Recta final do concerto com a potente “Kick in the Eye”, “The Passion of Lovers” e “Dark Entries”
O público sem nunca se abstrair do concerto, mérito dos cicerones da noite, foi presenteado com dois encores. “The Three Shadows, Part II” a belíssima versão “Severance” dos Dead Can Dance, “Telegram Sam” de T. Rex e a fechar,”Ziggy Stardust” de David Bowie.
Há bandas que se reúnem passados anos devido a vários factores, na grande maioria por questões financeiras ou gestão de carreiras. Não foi este o caso. Assistimos à celebração de algo grandioso que vive de forma orgânica nas influências semeadas e perdurará para sempre. Naquela noite fizemos parte da história dos Bauhaus.
Fotografia e texto de Idalécio Francisco