‘Pitfalls’, a revolta melancólica de Leprous

por Comunidade Cultura e Arte,    6 Fevereiro, 2020
‘Pitfalls’, a revolta melancólica de Leprous

Lançado em Outubro do ano passado, Pitfalls é o sexto trabalho da banda de prog-rock/metal norueguesa, Leprous. Formados em 2001 em Notodden, a banda é conhecida por ser uma das mais recentes e diferentes no meio progressivo europeu atual. O primeiro álbum (A Tall Poppy Syndrome) surge apenas em 2009 e desde então a banda tem sido capaz de se reinventar álbum após álbum.

Dos membros originais apenas dois restam: Tor Oddmund Suhrke nas guitarras e Einar Solberg nos teclados e voz principal, sendo que ambos são os principais compositores de toda a discografia na banda, contribuindo praticamente de igual forma para música e letras, até Pitfalls surgir. Gravado num período de cinco meses (entre Fevereiro e Julho de 2019) este apresenta-se como a definição musical de todo um estado de espírito. É uma expiação. Nascido das profundezas de uma depressão, este álbum é o que poderemos considerar uma magnus opus. É portanto uma banda sonora de um sentimento de desespero e aceitação com alguns raios de luz. E se estas palavras parecem brutas a sonoridade de todo que o é pois Pitfalls é uma rotura completa de todas as raízes metal que a banda tinha. Situa-se desta forma no espectro oposto de Bilateral ou Coal em que o Death Metal ainda era uma componente muito presente das músicas de Leprous.

Musicalmente Pitfalls é uma cascata de harmonias tristes. Com um ritmo relativamente lento, guitarras maioritariamente acústicas ou clean que servem apenas como cama para todas as camadas de teclas, arranjos vocais e uma predominância de cordas de violino e violoncelo. Este é um álbum que se dedica inteiramente a tornar o seu ouvinte imerso numa experiência, quase como um filme em que cada nota, cada camada e cada beat de bateria foi pensado e executado de forma brilhante, destinado a criar o ambiente necessário para passar a mensagem. Sem pretensiosismo, mas com muito virtuosismo (algo que para quem conhece a discografia da banda sabe que é inegável) Leprous conseguem com aparentemente menos tornar-se muito mais.

Tecnicamente trata-se de um álbum fenomenal. Uma secção rítmica altamente dedicada ao serviço das músicas encontra em Simen Børven (baixo) e Baard Kolstad (bateria) uns executantes impressionantes. Quem ouvir este álbum com atenção não esquecerá de certeza os brilhantes apontamentos de baixo no refrão da “Observe the Train” ou “At the Bottom”, mas certamente também o ouvinte será incapaz de não se maravilhar com a dimensão do artista que é Baard Kolstad. Fabuloso seja em servir a música com o seu ritmo groovy e musicalmente brilhante ou a experimentar com beats em bateria eletrónica, este desdobra-se depois em contratempos e poli-ritmos geniais culminando o seu trabalho com a “The Sky is Red”, talvez a música mais “metal” e certamente a mais complexa, intensa e tecnicamente exigente de todo o álbum.

Já o duo de guitarristas (Tor Oddmund Suhrke e Robin Ognedal) talvez tenham sido os instrumentistas que sofreram a maior evolução nesta nova sonoridade da banda. Totalmente dedicados a servir a música ambos preencheram os espaços e controlaram as dinâmicas, criando camadas e aumentando o ambiente desejado. Longe das leads de “A Tall Poppy Syndrome”, das guitarras de 7 cordas e ritmos de Djent de “The Congregation” ou mesmo as “guitar driven songs” de Malina, as guitarras em “Pitfalls” serviram para todo um outro propósito, o de servir a música e era exatamente o que tinha que acontecer, nem mais nem menos, desta forma tornando-se peças essenciais da composição. No entanto é possível ouvir alguns momentos de maior individualismo em “By My Throne”, “Foreigner”, “At the bottom” e na épica “The Sky is Red”.

No entanto temos que reservar um parágrafo inteiro para Einar Solberg. Vocalista e teclista da banda Einar tomou em si as rédeas de praticamente compor todo álbum. Como dito acima este álbum nasce de uma depressão e problemas de ansiedade que Einar teve que lidar nos últimos anos. Temas como “Below”, “I Lose Hope”, “Observe the Train”, “At the Bottom”, “Alleviate” e “The Sky is Red” são talvez as obras primas que conseguem demonstrar e imergir o ouvinte num estado genuíno de reflexão, de nos levar a uma empatia e contemplação não só do compositor como de nós mesmos. É assim tão bom. Já a sua voz dramática e impressionante falsete é capaz de nos fazer tremer de intensidade em músicas como “Below” ou “Alleviate” ou de nos abraçar numa em suave tristeza como em “I Lose Hope” ou “Observe the Train”, pois é na sua voz que grande parte das músicas deste “Pitfalls” crescem e tornam-se grandiosas. Pitfalls além de tudo o que já foi mencionado traz consigo também uma grande orquestração. Totalmente composta por Einar, o papel das cordas nas músicas é essencial ao acrescentar ainda mais dramatismo e dimensão às composições.

Depois de tudo o que foi dito e de incontáveis repetições é difícil para nós criarmos um top de músicas, por isso talvez seja mais fácil categorizá-las uma vez que este álbum contém desde músicas mais retrospectivas a mais melancólicas (“Distant Bells”, “Observe the Train”, “I Lose Hope”) a gritos de revolta poderosos (“Below”, “Alleviate”), assentando no entanto em dois claros destaques: “The Sky is Red” pela intensidade, dimensão e complexidade técnica, e “At the Bottom” uma música que começa com melodias de sintetizador suportados por beats eletrónicos que rebentam depois num dos maiores e mais poderosos refrões da carreira dos Leprous. Se isto não bastasse a música sofre de seguida uma transição para uma secção instrumental praticamente dominada por um arranjo de cordas e guitarras capaz de tremer até a alma mais insensível que cresce e até explodir no final mais intenso, belo e triste de uma música deste álbum.

“Pitfalls” é desta forma um marco na música e um dos álbuns de 2019. Leprous actuam no Hard Club e Lisboa ao Vivo nos dias 29 Fevereiro e 01 de Março respetivamente e por tudo o que já foi dito, será uma experiência a não perder.

Texto de Pedro Piedade

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