POC. POC. POC. POC. POC.

por Henrique Prata Ribeiro,    16 Maio, 2022
POC. POC. POC. POC. POC.
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A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) é uma doença que toda a gente conhece, sem que muitas vezes saiba explicar o que é, ou de que forma se caracteriza. Desconstruindo o termo, é fácil deduzir que seja uma doença composta por obsessões e compulsões. Importa é compreender o que estas são: quando falamos em obsessões, falamos de pensamentos, imagens ou impulsos, que são persistentes e repetitivos, intrusivos e indesejados e que são comumente associados a ansiedade. As compulsões são comportamentos ou actos mentais repetitivos, que o indivíduo sente que tem de realizar em resposta a uma obsessão, para atingir uma sensação de completude ou de cumprimento de uma regra rígida*. 

Nesta doença, ao contrário de algumas outras doenças da área da Psiquiatria, há uma consciência dos sintomas por parte das pessoas, sendo muitas vezes causa de sofrimento pela inevitabilidade e disfunção que causam. As obsessões-compulsões mais frequentes estão relacionadas com ideias de contaminação e lavagem/limpeza; prejuízo próprio ou de terceiros; pensamentos sexuais intrusivos, agressivos; simetria; verificação; ordenação e acumulação. A imagem que muitas vezes se tem das pessoas com POC é a de lavarem incessantemente as mãos, de terem rituais para sair de casa, de verificarem vezes sem conta todas as torneiras de casa antes de se irem deitar, ou de arrumarem toda a casa de forma simétrica ou por gradação de cores. Vemos o lado observável — as compulsões. Raramente há a perceção de que essas compulsões estão associadas a pensamentos intrusivos, que a pessoa sabe que são dela (ponto importante face a outras doenças psiquiátricas), mas que não querem ter e que necessitam de aliviar através da realização desses rituais. 

A POC é ligeiramente mais comum em mulheres do que em homens, tem uma distribuição similar em países de alto e de baixo rendimento e a prevalência estimada ao longo da vida encontra-se entre os 2-3%. Um traço distintivo face a outras perturbações psiquiátricas é a idade de aparecimento: ainda que esta seja tipicamente compreendida entre os 18 e os 29 anos de idade, quase um quarto dos homens apresenta onset da doença antes dos 10 anos e uma percentagem relativamente grande de mulheres, durante a adolescência — havendo também casos nos quais surge no peri ou no pós-parto. Casos nos quais a doença surge a partir dos 30 anos são raros. Os sintomas podem persistir durante décadas, mas há igualmente casos nos quais se atinge a sua remissão completa. É uma doença que frequentemente apresenta comorbilidades da esfera psiquiátrica, sendo as mais comuns as perturbações de ansiedade, as perturbações do humor, do controlo do impulso, do uso de substâncias e tiques ou perturbações relacionadas com a POC — listadas no final desta crónica.

Os factores de risco ambientais para o desenvolvimento da POC encontram-se pouco descritos, mas incluem complicações periparto ou eventos traumáticos precoces. A POC é uma doença poligénica — vários genes têm um peso relativamente pequeno, mas quando combinados entre si, aumentam a probabilidade de desenvolvimento da doença. Não há um gene em concreto que seja identificável como causador da doença ou que indique que alguém a vai desenvolver de forma inevitável, havendo subtipos da doença que apresentam um maior peso da hereditariedade do que outros. Pensa-se que a doença resulte de uma disfunção do circuito cortico-estriado-talamico-cortical, envolvido nos processos sensoriomotores, cognitivos, afetivos e motivacionais. A serotonina, a dopamina e o glutamato são os principais neurotransmissores deste circuito. 

Quanto ao tratamento, este pode, em casos ligeiros, ser exclusivamente feito através de psicoterapia cognitivo-comportamental, mas o mais frequente é que seja com recurso a antidepressivos combinados com essa psicoterapia, numa primeira linha. Os agentes utilizados são os mesmos que são usados para o tratamento de primeira linha da depressão ou da ansiedade; os Inibidores Selectivos da Recaptação de Serotonina (SSRI). Este dado é curioso, porque a maior parte dos estudos não aponta para um papel primário da serotonina na génese da POC. Este tratamento pode depois ser potenciado pela utilização de antipsicóticos — os mesmos que são utilizados, por exemplo, no tratamento da esquizofrenia — que actuam a nível dopaminérgico. Quando estes tratamentos falham, progride-se para outras opções terapêuticas farmacológicas e depois para outros procedimentos, como a estimulação transcraniana. Neste momento, a POC é a única perturbação psiquiátrica que tem opção cirúrgica na sua linha de tratamento, podendo alguns procedimentos psicocirúrgicos estar indicados nos casos nos quais a medicação não consiga solução, ou nos quais os doentes, por algum motivo, não possam ser medicados e não respondam à estimulação transcraniana.

A POC é uma doença com uma evolução muito variável, que tanto pode ser crónica como episódica, muito ligeira ou muito grave. Nos casos muito graves, a deterioração dos indivíduos é muito marcada e afecta todas as áreas da vivência, prejudicando a interação social e a capacidade intelectual. Pessoas com início precoce da doença, baixo funcionamento social, evolução crónica nos primeiros dois anos de doença, do sexo masculino, solteiras, de baixo nível socioeconómico, com história familiar de doença, fraca aliança terapêutica, fraco insight, com mais comorbilidades e sintomas de hoarding, sexuais ou religiosos, apresentam um pior prognóstico no que à evolução da POC diz respeito

A POC tem ainda uma lista de outras perturbações relacionadas, que opto por não explorar na presente crónica, mas que listo: Perturbação Dismórfica Corporal; Acumulação; Tricotilomania; Skin-picking; Hipocondria; Síndrome Olfactivo de Referência; Síndrome de Tourette.

*existem teorias que defendem as obsessões como uma resposta às compulsões e não o contrário, definindo-as como uma racionalização destas últimas. Na crónica opta-se por seguir a teoria mais comumente descrita.

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