Podemos ter políticos que não sejam actores?

Adoro ir ao teatro. Mais do que o cinema, que também costuma ser fonte de inspiração para crónicas, o teatro toca em mim de forma particular. Talvez pela proximidade humana, o impacto é sempre maior. No teatro, o acordo é simples: sei que estou a ser enganado, mas isso faz parte do jogo. Mais: pago para isso. Lá, nada é real, o que justifica o fingimento de ambas as partes. O problema está quando o fenómeno se alastra a outras coisas, a começar pela política.
A política tornou-se meramente performativa. Isso não se vê apenas pela completa ausência de capacidade de acção dos políticos, mas também pelos termos que designam cada vez mais os processos e intervenientes: são “actores políticos”, é o “teatro de operações”, é a “encenação política”. Já não há quem seja genuíno? Já não há quem tenha uma ideia própria que seja? Já não há quem diga algo mais do que meras banalidades que mais parecem escritas pelo Chat-GPT?
Tenho de fazer um mea culpa aqui. Participando no jogo, também sinto que incorro na performatividade. Mas estou em crer que o problema não se prende tanto com o acto, que sempre existiu, mas com a dimensão: quando a performatividade engole tudo o resto, o que fica é o vazio. Pior do que política de terra queimada é a política do absoluto nada.
Para além de maus políticos, na verdadeira acepção do termo, são maus actores: é tudo tão terrível, são performances sofríveis. Não há quem acredite que haja ali, verdadeiramente, uma visão, um pensamento, uma ideia, uma emoção. São actores do absoluto nada. Que não se confunda isto com uma visão elitista da política — muito pelo contrário. Não tenho dúvidas que muitas das nossas avós, grande parte delas com o ensino primário incompleto, teriam mais a acrescentar do que muitos dos que estão em cena ou dos que estão nos bastidores a preparar-se para entrar.
Isto é ainda pior quando o sistema beneficia quem de facto assim se comporta. Talvez porque facilite o trabalho de outros — pessoas que agem por vontade própria são mais problemáticas —, talvez porque se enquadra perfeitamente num neoliberalismo político que não é mais do que saber vender um produto. Neste caso, o próprio ser-se político. Pouco importa se se tem densidade, integridade ou capacidade. Aliás, até parece que atrapalha. Tem é de ser sexy, cativante e focar-se em agitar as águas externas.
É o que Guy Debord nos dizia quanto à sociedade do espectáculo em que vivemos: a vida real, dentro do capitalismo, foi substituída por representações, por performances. O fenómeno só piorou com o neoliberalismo e a atomização. Tudo agora é mercadoria e o valor e a qualidade são determinados pela facilidade em se vender. E assim ficamos entregues aos bichos. Metaforicamente falando, claro, porque esses não se vendem.