‘Polygondwanaland’: uma pujança contida e uma maturação musical
Se há palavra que é a antítese de King Gizzard and the Lizard Wizard é ‘ócio’. Ao longo de cinco anos, o septeto australiano lançou doze álbuns de qualidade consistente. Só este ano já lançaram quatro: uma aplicação da sonoridade microtonal para apimentar o seu já conhecido rock psicadélico; uma investida pouco conseguida de prog rock como banda sonora para três contos; uma bonita colaboração com Mild High Club de experimentações com jazz e, mais recentemente, Polygondwanaland. Para este quarto álbum, decidiram mudar as ‘regras do jogo’: o álbum foi disponibilizado gratuitamente. “This album is FREE. Free as in, free. (…) Make tapes, make CD’s, make records. (…) Ever wanted to start your own record label? GO for it! Employ your mates, press wax, pack boxes. We do not own this record. You do. Go forth, share, enjoy.”, explicaram os australianos.
Esta prenda para os fãs não surpreende: uma passagem rápida pela página de Bandcamp da banda mostra uma miríade de edições limitadas nos mais variados formatos físicos, esgotadíssimas na sua maioria, e, em alguns casos, revendidas na Internet a preços de ouro. Por um lado, é o exemplo de uma boa estratégia de marketing, oferecendo algo mais do que uma simples cópia física (acuse-se quem nunca desejou ter Murder of the Universe com pintalgadas de vómito a preencherem o vinil). Mas é também uma forma da banda demonstrar apreço pelos seus fãs, mostrando-lhes que merecem um toque mais personalizado no que toca às obras que eles tanto estimam. Mas, ainda que em Polygondwanaland a parte estética fique a cargo de quem se decidir a aventurar pelo complicado processo de reprodução física e distribuição de um álbum, a música continua a ser definitivamente deste grupo australiano.
No entanto, este álbum mostra uma sonoridade mais evoluída e “Crumbling Castle” é a música que mais espelha isso. É um tema com várias camadas que muda eficazmente de atmosfera, mantendo o ouvinte cativado ao longo de toda a sua duração. Soa mais maduro e complexo do que qualquer coisa que o precedeu, uma ode muito bem construída ao rock progressivo. A parte final é distintivamente Gizzard, e relembra-nos que a banda constrói por cima do que já existe sem nunca o apagar. Isso verifica-se também no uso de sintetizadores; não é algo novo para a banda, mas neste álbum ganha mais relevância. Ouvem-se elementos electrónicos no início crepitante de “The Castle in the Air” ou em “Loyalty”, de começo fantástico e que, auxiliado por uma batida simples, discute a punição de um deus que promete castigar aqueles que deixaram de acreditar nele.
Nota-se um esforço para criar um som mais atmosférico e menos ‘rústico’, mais empenhado em espelhar uma certa sonoridade e emoção. “Searching” começa ‘carregada de nevoeiro’ e mantém-se quase como música ambiente, e a melodia do refrão de “Horology” denota uma urgência, algo quase suplicado, fielmente transmitido pela voz de Stu Mackenzie, vocalista e frontman da banda. A sua voz soa mais recatada na sua abordagem, e os arranjos vocais são mais profundos do que se esperaria, mas quase sempre replicados pela parte instrumental, como já é apanágio da banda. Aliás, a fluidez entre músicas também se mantém, algo que já é um dos seus trunfos e expectável nos seus projectos.
Polygondwanaland adere à máxima de começar forte e acabar com um estrondo: “The Fourth Colour” surge como uma conclusão potente e um momento explosivo. No entanto, não se adequa ao resto da dinâmica do álbum. O álbum soa na sua maioria contido e discreto, com uma conclusão que acaba por soar deslocada, ainda que tenha muito mérito na sua adrenalina. A árdua tarefa de lançar quatro álbuns num ano parece sentir-se na música; nota-se um certo cansaço. O álbum tem algumas das músicas mais ambiciosas de King Gizzard and the Lizard Wizard, não só deste ano, mas de toda a sua curta, embora preenchida, carreira. Há uma seriedade que não se verificava anteriormente, estão empenhados mais do que nunca na composição musical. Mas ainda que isso transpareça, as músicas ficam aquém desse empenho e acabam por não surtir o efeito que a sua maturidade demonstra.
Os King Gizzard não conseguem ficar parados, não é uma opção não disparar música frenética. Ao mesmo tempo, organizam um festival de música na sua terra natal e andam em tour pelo mundo fora. São a epítome de uma banda activa, envolvidos na música e em todos os aspectos circundantes da mesma. Em Polygondwanaland mantêm viva a promessa de cinco álbuns para 2017 e acrescentam alguns temas de qualidade à sua já enorme discografia. As restantes músicas são quase sempre mornas, com alguns pormenores interessantes que as impedem de cair na obscuridade. Mas a maturidade que demonstram neste álbum, a abordagem metódica e o cuidado na composição serão certamente uma bela adição aos álbuns vindouros.
Músicas preferidas: “Crumbling Castle”, “Deserted Dunes Welcome Weary Feet”, “Loyalty” e “The Fourth Colour”
Músicas menos apelativas: “Tetrachromacy”