Por que Aveiro e o autor deste artigo precisam do Mercado Negro?
A Tago Mago nasceu como promotora de eventos no a.c. Mercado Negro e este Sábado “oferece” o concerto de Astrodome como prenda do seu 12º aniversário.
Não sei como debruçar-me sobre a “cena” de uma cidade sem “gozar” com essa expressão. “Cena”: um termo vago, evocando o calão que, neste caso, traduz o que os “entendidos” chamam de “music scene”, como São Francisco foi para o heavy-metal nos 80’s ou Seattle para o grunge nos 90’s.
Do século XXI em diante, a globalização e a própria saturação dos géneros convencionais transformaram as “cenas” em casos de dinâmica cultural, com os eventos e a criação local a ofuscarem o factor “género musical” como essenciais para que possas afirmar que “x” região ou cidade tem “a sua cena”.
É difícil chegar aqui, mas também é apenas uma questão de o fazer.
A Tago Mago tem menos de um ano de CV no que toca a marcar concertos e, como todos os projetos ou ideias, a fase inicial quer-se de experimentação e irreverência.
E nós, com todo o respeito que o protocolo exige, começamos a semear no terreno virgem que era a cidade de Aveiro em termos de produção independente, à excepção do Aveiroshima2027 em regime pontual e da VIC // Aveiro Arts House.
Com a cabeça no rock mas com os olhos postos no mundo (e na ‘world-music’), percebemos que trabalhamos em espectros que ninguém explora em Aveiro, mas a amizade e a visão que nos liga a exemplos como a Ya Ya Yeah, a Pointlist ou a Lovers & Lollypops conforta-nos a solidão.
E não são as bandas e/ou os artistas que trazemos que nos tornam diferentes, mas a visão que temos da produção musical que idealizamos e para a qual espaços como o a.c. Mercado Negro são a pedra basilar.
Nos festejos do 12º aniversário, o concerto dos Astrodome é mais que uma prenda nossa ao tasco mais ‘cool’ de Aveiro. É o materializar de um throwback que começa na 1ª produção da Tago Mago, exactamente no auditório do “Mercado”, e que trespassa duas mãos cheias de bandas s/ preconceitos de género nem de nacionalidade, que Aveiro ‘teve o privilégio de receber e onde as bandas ‘tiveram o enorme prazer de tocar. Isto, a médio-longo prazo, é o factor-mor da condecoração de “cena” concedida a uma região.
De nada vale saberes (ou teres a mania) que “x” banda que trazes ao teu burgo em concertos com 30 pessoas vai estar nos festivais com prefixo a tocar para milhares. Da mesma forma que de nada vale teres uma banda a tocar para 100 pessoas sem acrescentar algo ao espaço, ao público, e a tudo aquilo que envolve uma “cena”.
Daí a nossa paixão pelo Mercado Negro e pelo staff que o compõe: não precisamos de uma grande sala, precisamos de uma sala que dê oportunidade a esta visão. Não basta encher salas, nem ter a noção que Aveiro tem 10x mais concertos do que no ano passado. Nem isto tem apenas a ver com as bandas que vamos buscar ao fundo do poço, ao ‘underground’ do ‘underground’.
Também teres as bandas que curtes a vir a Portugal, quando antes as “tours europeias” iam apenas à fronteira dos Pirenéus, não acontece porque sim. É preciso saber distinguir o circunstancial do estrutural; e aqui o mérito são das casas e dos promotores que arriscam mais e, consequentemente, têm mais esperança de vida.
Hoje, tens um circuito indie que facilita marcar uma banda em Portugal e Espanha, que não havia em 2010. Os “so-called” agentes culturais de Aveiro pensam isto? Viram a transformação a acontecer? Talvez não, mas eles como todos recolhem os frutos de quem transformou a “cena” indie em Portugal. Uma “cena” maior do que trazer as bandas que antes não vinham, e aqui a nossa prenda ao “mercado” fala por si. Se os Colour Haze, mestres do Rock Psicadélico, ‘tiveram a estreia em Portugal na passada edição do Sonic Blast Moledo, os Astrodome acabam de lançar um disco que é capaz de ombrear com os maiores, mesmo que sejam miúdos com poucos pentelhos à mostra. A Europa do Stoner-Rock rendeu-se, quer no mundo dos blogs quer no mundo real, onde a banda “passeou” o disco desde Espanha até à Áustria, chamando a atenção do espaço Schengen para a “cena” em Portugal.
Por isso é que é a banda perfeita para os festejos do a.c. Mercado Negro: estão na “front-line” das bandas emergentes – e é aqui que trabalhamos. Estão na sala que nos deixa trabalhar desta forma; e estão em fim-de-semana de Primavera Sound, que é um dos festivais onde as bandas que por aqui passam podem vir a tocar.
Bate tudo certo, mas é tudo circunstancial.
Parabéns ao a.c. Mercado Negro.
Artigo escrito por Luis Dixe Masquete