Pornografia – o que procuram as mulheres?
A chamada pornografia para mulheres tem crescido muito nos últimos anos. Um segmento da pornografia que é, no entanto, bastante diversificado e que vai do soft porn ao hardcore puro, com cenas explícitas, a roçar o violento, num pacote apelativo intitulado female friendly porn. O filósofo francês Gilles Lipovetsky afirma que a pornografia é a anti-sedução. Durante muito tempo, as mulheres foram socialmente estigmatizadas pela sexualidade romântica, focada no ideal do enamoramento. Só não se percebe se o paradigma romântico da sexualidade feminina é perpetuado pelos homens (a bem dos seus interesses) ou pelas próprias mulheres (em sintonia com o decoro e os bons costumes). Vivemos há muito uma época veloz, em que não há tempo para o teatro do sexo cortês. Talvez isto explique o crescimento da indústria da pornografia, em que cada vez mais se procuram receitas imediatas e eficazes para lidar com a sexualidade. Mas será que as mulheres precisam de pornografia específica? E isso é o quê?
Nos vários sites de pornografia especializados no sexo para mulheres (e que são cada vez em maior número), o foco é maioritariamente nos conteúdos soft porn. As cenas sexuais tentam ser mais naturalistas, e o hardcore é embelezado, literalmente, por filtros brancos ou rosados. Contudo, segundo o site de pornografia Pornhub, os dois primeiros lugares das pesquisas femininas vão para filmes lésbicos e gay (male). Terão as mulheres um interesse homossexual ou estamos apenas no nível dos consumos de pornografia? Talvez estes resultados revelem um pendor feminino para a fantasia do impraticável (no caso do conteúdo gay male é evidente), bem como o interesse da mulher por coisas que são o contrário da pornografia — a suposição ou a não-concretização.
A revista americana Marie Claire desenvolveu o The Porn Project, em que inquiriu mais de 3000 mulheres sobre a sua relação com a pornografia. Deste trabalho concluiu-se que uma em cada três mulheres vê pornografia uma vez por semana, no mínimo. Segundo o estudo da Marie Claire, a maioria assiste a estes filmes sozinha, o que revela um interesse em desenvolver e/ou satisfazer a sua própria vontade. Apenas uma ínfima percentagem confessa assistir a estes conteúdos para agradar ao parceiro/a. Ao que parece, a pornografia passou a ser um afrodisíaco importante para as mulheres, com 38% da população feminina a consultar com regularidade sites pornográficos.
Candida Royale, Petra Joy e Erika Lust são algumas das mais célebres realizadoras de filmes pornográficos para mulheres. Segundo estas realizadoras, há uma preocupação feminista comum que passa por criar filmes em que a imagem da mulher é dignificada, e que explicitam desejos femininos reais. Estes filmes distinguem-se pela atmosfera chic porn, com uma produção cuidada, corpos atraentes e guiões criados a partir de fantasias femininas das próprias autoras. Handcuffs, um dos mais populares vídeos de Erika Lust, concentra-se na história de uma mulher a jantar num pequeno restaurante com o seu marido, onde acaba por ser algemada e “jantada”. Explica Erika: “Os meus filmes mostram a viagem emocional de mulheres em busca do seu prazer; elas são as protagonistas das minhas histórias.” Erika formou-se em Ciências Políticas, em Lund, na Suécia, tendo estudado posteriormente realização em Barcelona, onde fundou a sua produtora de conteúdos pornográficos, a XConfessions. Lust dedicou parte dos seus estudos ao feminismo e reconhece por isso o seu interesse em “fazer filmes porno acompanhados por um discurso político.” Reconhece ainda que ser mulher numa indústria maioritariamente masculina lhe dá vantagens: “Sendo autora e realizadora ao mesmo tempo, faço com que os meus filmes sejam diferentes.” Afirma Erika: “O cinema porno precisa mesmo de mudar, precisamos de um cinema que mostre os nossos verdadeiros prazeres e desejos.” Apesar de ser uma realizadora feminista, considera que os seus filmes não são para serem vistos só por mulheres, muito pelo contrário: “Penso que, pelo facto dos meus filmes serem criados por mulheres, o produto final é completamente diferente e daí atrair qualquer género.”
Todavia, não podemos esquecer-nos de que estamos a falar de uma indústria cujo objectivo é fazer dinheiro. Sejam homens ou mulheres a realizar. O dinheiro e o (algum) decoro não assumido talvez continuem a mascarar as reais preferências sexuais femininas. Quantas mulheres terão coragem de admitir que sentem prazer com cenas explícitas de penetração em locais imundos, orgias com dezenas de pessoas, ou aquilo que realmente as excita sexualmente? Quer queiramos, quer não, ainda há castração sobre este assunto. Por isso, os filmes deste género, chamado pornografia para mulheres, servem também para branquear pulsões e criar novos e igualmente falsos paradigmas. Assim creio.