Porquê aprender literatura?
Há uns dias, um aluna colocou-me a seguinte pergunta: “Porquê aprender literatura?”. Esta questão, aparentemente tão banal, inquietou-me, já que revela conceções implícitas sobre o modus operandi do ensino-aprendizagem da literatura.
Afinal, qual é a utilidade da literatura no contexto de desenvolvimento da literacia cultural dos alunos? O que é que se leciona na teoria e prática do “ensino da literatura”?
Não se ensina literatura enquanto arte, mas os factos objetivos que a instituem. Note-se que, enquanto expressão artística, a literatura corresponde a uma abstração concetual. No entanto, são os factos que nos permitem indiciá-la como fenómeno artístico que constituem a faceta estudável e ensinável desta disciplina.
Qualquer definição de literatura é o fim da literatura e não a sua finalidade. Por essa razão, dependemos sempre da materialidade linguística dos textos, sobre os quais emitimos juízos de literariedade. A isto designamos, na gíria, “interpretação textual”.
Com efeito, é legítimo elaborarmos juízos fundamentados sobre uma obra, pelo que podemos analisar a sua arquitetura textual, integrá-la num determinado género e esmiuçar-lhe a expressividade dos seus recursos linguísticos. É sempre em função do conhecimento prévio que detemos sobre o fenómeno literário que gizamos as nossas precárias definições de “literatura”, quando ela precede cada novo esforço de catalogação.
Ora, o que constitui um dado ensinável é o facto literário e não a abstração do conjunto de todos os factos que admitimos como literários. Na verdade, o que o docente veicula aos alunos é o modo como é que foi capaz de racionalizar um conjunto de significantes e significados dispostos num texto literário. Apenas podemos ensinar o sentido de um texto tendo em conta o modo como nós — sujeitos livres — o concebemos.
E se julgamos ter esventrado os limites da literariedade de uma obra, mesmo tendo ela sofrido séculos de leitura e análise, como no caso d’ Os Lusíadas, já estamos atrasados em relação aos textos produzidos futuramente que se servirão dela na sua rede intertextual.
Neste sentido, aprender literatura é um grande contributo para o aprimoramento da nossa literacia cultural e, também, da competência linguística. Num mundo tecnológico que atribui primazia às imagens, o livro afigura-se como um objeto intransponível pelas descrições que contém e pela dimensão de imaginário que lhe está inerente. A literatura é, então, uma fonte valiosa de resposta aos problemas do Homem, da sociedade e dos mecanismos históricos.
Subsiste, pois, a impossibilidade de a “literatura” vir a tornar-se uma definição passível de responder a uma utilidade prática, como é solicitado por esta sociedade mercantilista. Tal lógica repercute-se na subvalorização da literatura enquanto conhecimento disciplinar e na parca atribuição de bolsas de doutoramento nos Estudos Literários e Culturais.
A escola e a Universidade, nesta ótica, circunscrevem-se à aprendizagem de técnicas, à competitividade e à preparação para o “mercado de trabalho”. Isto traduz-se na perda de curiosidade epistemológica e no desinteresse generalizado dos alunos (e da população em geral) em atividades que envolvam a leitura/fruição de textos literários e a compreensão.
“O poema é antes de tudo um inutensílio”, escrevia o poeta brasileiro Manoel de Barros, e tem a (in)utilidade que nós lhe atribuirmos. Na verdade, a língua não pode ser confinada à comunicação; devemos encará-la enquanto objeto de conhecimento, como instrumento e veículo de comportamentos sociais, mas também pela sua função poética — de expressão, criatividade e imaginação — indispensável para a formação de valores humanistas.