Porque somos assim perante a morte?
Numa sociedade dominada pelo imediatismo a morte dos “famosos”, seja isso o que for, já não é bem a morte a que estamos biologicamente condenados. A morte passa a ser a possibilidade que temos de dizer qualquer coisa, de nos despedirmos, de colocarmos um último texto, de vermos uma última reportagem, de ouvirmos uma última entrevista. E de escrevermos o quanto aquele cantor, pintor, político, empresário ou qualquer outra estrela do firmamento mediático foi importante.
Quando alguém que é conhecido morre a sociedade dedica-lhe uma festa de despedida. Independentemente da qualidade do que produziu na sua vida ou do peso relativo ou absoluto que tem no país ou no mundo, na história das ideias ou na força do seu caráter. Todos e todas são igualizados em lamentos coletivos que transformam as pessoas num consenso que, como todos os consensos, é amorfo, paralisante e injusto.
Já não há distinção. De repente Agustina é tão sublime como Roberto Leal. Alexandre Soares dos Santos tão humanista como Ruben de Carvalho ou Dina tão importante como Edmundo Pedro. Uma pessoa morre e torna-se consensual. Despedimo-nos de Manoel de Oliveira ou de Nicolau Breyner com o mesmo tom beatífico de uma despedida de qualquer figura menor.
É tudo igual. Tudo igualmente bom. O país fica sempre mais pobre. Há uma lágrima que oferecemos a todos, uma palavra de conforto, uma última memória. Aproveitamos para nos lamentar que se não fosse alguma coisa (a inveja, o azar, os políticos ou pulhices várias) aquela figura poderia ter ido muito mais longe.
Tenho um respeito imenso por todas as vidas. E por todas as mortes. Roberto Leal foi um artista que teve um percurso com mérito, certamente que sim. Mas de repente, ao ler o que se vai publicando fico aflito. Aflito também pelo que nos estamos a transformar, um país inculto e ignorante que torna todos iguais e que nessa uniformização desrespeita os que morreram. Porque transforma as pessoas no que nunca foram e condena-os a um mais rápido esquecimento. Porque amanhã outra figura morrerá e as mesmas palavras serão escolhidas.
Roberto morreu. Parecia-me uma pessoa impecável, genuína e extraordinariamente generosa. Com sentido de humor e uma enorme força de viver. Adoraria tê-lo conhecido. E não há elogio melhor do que este. Mas Portugal não irá ficar mais pobre com a sua partida – não no sentido que se dá à expressão. E isso não o menoriza em nada, pelo contrário.