Portugal não é racista, mas …
Gosto dos debates em Portugal porque são simbólicos. Tememos falar dos elefantes na sala e, por isso, usamos símbolos para estar a falar de um assunto sem na verdade o mencionarmos. O discurso ideológico segue o método Quim Barreiros. Todas as músicas são sobre sexo mas nenhuma menciona um ato sexual.
Esta semana parte do país discutiu uma bandeira. Joacine Katar Moreira, deputada eleita do LIVRE, exibiu uma bandeira da Guiné-Bissau aquando dos festejos da sua inclusão parlamentar. Escândalo. O país que cantou em uníssono a Força, da Nelly Furtado, indigna-se com o orgulho nas raízes de outra pessoa. O país que fica com uma lágrima no canto do olho pelo Shawn Mendes ter uma unha do pé tuga, não aceita que outra pessoa tenha uma demonstração de afeto por outro país. Ainda por cima, um país com o qual historicamente existe uma forte aproximação.
O incómodo vem, precisamente, do símbolo. Uma mulher negra, consciente e vocal sobre a sua condição como tal, a ganhar protagonismo. Mas ai de mim que o digo. Porque Portugal não é racista.
Um tuga entra numa loja de chineses e diz: “Olha, eu vou levar este brinquedo mas isto vai funcionar, não vai?”. Como é sabido, esta foi a técnica levada a cabo pelos navegadores portugueses. Eles chegavam a um território desconhecido e fintavam a barreira comunicacional falando mais alto e com linguagem de bebé.
Aliás, acho que parte desta condescendênciazinha vem desse período. Nós somos o povo que se gaba de ter feito uma aculturação mais suave. Isto é um eufemismo para: matamos menos do que os outros.
Erguemos como bandeira moral o facto de termos sido o primeiro país a abolir a escravatura. Obliteramos é o facto de termos sido grandes impulsionadores da mesma. É como um marido que se gaba de não bater na mulher.
Imaginem o que é um português chegar à beira de um húngaro e explicar-lhe, todo fanfarrão, que aboliu a escravatura. A resposta mais provável seria “O que é isso?”. O português seria obrigado a explicar que exploradores brancos aprisionavam e traficavam negros para trabalhos forçados. O húngaro, muito confuso, explicaria aos amigos que os portugueses andavam a fazer uma coisa qualquer que envolvia uma separação entre brancos e negros. Estou em crer que esta é a história de nascimento dos doces húngaros.
Há uma justiça histórica quando alguém se dirige a um chinês de forma condescendente e recebe, como resposta, num português articulado, um “Não, não vai avariar”. A comunidade chinesa em Portugal já se instalou há tempo suficiente para estar perfeitamente integrada. Domina a língua e alguns dos seus descendentes até já nasceram cá.
Se bem que a questão dos filhos dos imigrantes é sempre um assunto complicado. Há uma barreira que felizmente os media nos relembram com frequência. Por exemplo, se um descendente de moçambicanos ganhar um Nobel da literatura ele será o vencedor luso-moçambicano mas, se por alguma razão, um tipo moçambicano for detido por um delito qualquer ele será o cidadão de origem moçambicana.
É preciso distinguir os bons e os maus. Carregue a primeira pedra quem nunca viu um português gabar-se de conhecer um brasileiro que até nem é preguiçoso.
O português é sempre afortunado porque conhece o estrangeiro certo. Porém, nunca deixa de o ver como estrangeiro. Tolera-o mas vinca a diferença. Há-de dizer: “Vocês, lá na vossa terra, não têm disto”. O português que se orgulha de Portugal muitas vezes nunca viu mais nada. É fácil ganhar campeonatos assim.
Os portugueses têm a crença de que foram abençoados com um terreno sagrado e impoluto. São os ares exteriores que dão cabo de tudo.
Vale para emigrantes. Estatisticamente, quase todas as famílias portuguesas têm, pelo menos, um familiar emigrado. Também estatisticamente, é certo que em Agosto alguém se queixa dos avecs. Eles estavam bem é quando estavam cá mas, agora, como não são bem de lado nenhum, acham que podem vir cá armar-se ao pingarelho.
Eu também questiono as tatuagens de símbolos da seleção e as t-shirts do Ronaldo. Mas, no fundo, até percebo. São saudades de casa.
No fundo, as pessoas queixam-se dos emigras porque eles têm mais coroas para gastar no verão. É a invejazinha.
Nós somos o único país do mundo capaz de ser racista consigo mesmo. Somos o país dos inhos. Do racismozinho e da invejazinha. Que não são violentas e redundam em constante maldizer e frustração. Somos o povo dos amuadinhos. Até o dia em que.
Nós veneramos os outros menos quando põe cá os pés. E só gostamos de nós quando alguém de fora diz mal. Aí unimo-nos é cantamos a Portuguesa com a mão no peito. Portugal é um país com um inimigo imaginário chamado Portugal.