Portugal precisa de mais parques nacionais

por Cronista convidado,    5 Dezembro, 2022
Portugal precisa de mais parques nacionais
Lagoa Comprida, Portugal / Fotografia de Ricardo Rocha / Unsplash
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Parques Nacionais são Joias da Coroa para o mundo natural, lugares onde a natureza tem o seu espaço, tempo e pode existir em todo o seu esplendor. Onde o ser humano pode ser inspirado, deslumbrado e maravilhado com a vida selvagem. Mas o que é um parque nacional, porque são importantes e o que os torna tão mágicos e especiais? 

Há várias categorias de áreas protegidas, de acordo com a IUCN (The International Union for Conservation of Nature) de I a VI, consoante o nível de proteção. Parques nacionais são a categoria I e II, lugares dedicados só à vida selvagem. Zonas com áreas de proteção total, onde a natureza tem tempo e espaço. III a IV são zonas por norma mais pequenas para proteger um determinado tipo de monumento natural ou habitat. V a VI, são “paisagens naturais”, que existem praticamente no papel. Zonas protegidas com categoria I e II são o ideal para a vida selvagem. Em Portugal a maioria das áreas protegidas são categoria V e VI, parques no papel, paisagens humanizadas, com agricultura, criação de gado e explorações florestais com pouco espaço para a natureza.

Na Península Ibérica, os parques nacionais Espanhóis são riquíssimos em vida, tanto em variedade como em abundância de animais e plantas (Monfraguë, Ordesa e Monte Perdido, Cabañeros entre outros). Na Europa também existem parques deslumbrantes como o Triglav, nos Alpes Eslovenos, o Abruzzo, Lazio e Molise nos Apeninos Italianos, os Parques Nacionais Romenos nas Montanhas dos Cárpatos ou o Delta do Danúbio, na Roménia e Ucrânia. No mundo lugares emblemáticos a fervilhar de vida como o Yellowstone nos Estados Unidos, o Kruger na África do Sul, o Kaziranga na Índia ou o Iberá na Argentina. Em Portugal só há um Parque Nacional, o Peneda Gerês, e as coisas não estão famosas.

Parques Nacionais são áreas vastas, onde estão excluídas as atividades extrativas, zonas onde processos naturais como cheias podem ter o seu lugar, onde os ecossistemas estão idealmente completos. Num mundo cada vez mais dominado pelo ser humano, são lugares onde a natureza pode ser selvagem. Num mundo cada vez mais urbano onde a população em zonas rurais tem cada vez menos oportunidades é uma possibilidade de desenvolvimento económico. O turismo de natureza pode ser um bálsamo para as zonas rurais, são vários os casos o Urso Pardo nas Astúrias em Espanha, o turismo de natureza na Roménia para ver bisontes ou birdwatching nas terras frias da Escócia com a águia rabalva. O regresso de espécies emblemáticas criou novas oportunidades económicas, novas fontes de riqueza, novos postos de trabalho e deu nova vida às comunidades locais.

Há várias zonas em Portugal que podem evoluir para um Parque Nacional, para benefício de pessoas e natureza, para preservar a biodiversidade e mitigar os efeitos da alterações climáticas. Áreas com um grande abandono agrícola, declínio populacional e poucas oportunidades económicas. São áreas de Norte a Sul e Ilhas, do Interior às zonas Costeiras:

Parque Nacional de Montesinho, através do aluguer de baldios, reintrodução de grandes herbívoros (cavalos e tauros), preparar a chegada do urso e promoção turismo de um verdadeiro turismo de natureza, como já acontece do lado Espanhol em Sanabria, para que o restauro da natureza seja uma oportunidade e não um problema para as comunidades locais.

Parque Nacional da Malcata, bússola de conectividade, entre as planícies do Sul e o Planalto a Norte, entre o lado Português e Espanhol do Sistema Central. Bastião para o abutre preto, para o lince ibérico e para herbívoros como o muflão, o veado ou o gamo. Converter o parque florestal de exóticas, moldado pela mão do ser humano, numa floresta selvagem a fervilhar de vida.

Parque Nacional das Serras e Montanhas do Centro, controlar espécies invasoras como o eucalipto e a acácia. Diversificar a zona do “pinhal interior” e do “deserto verde de eucaliptos” numa floresta mediterrânea/atlântica com uma grande diversidade de espécies e árvores de fruta. Uma esponja para armazenar água. Recuperar vida selvagem como o lobo, a cabra montesa, o veado entre outros herbívoros e reintroduzir o castor para criar corta fogos na paisagem.

Parque Nacional Sado Rio, Estuário e Mar, expandir a floresta mediterrânea da Mata do Solitário para Palmela e Sesimbra. Devolver vida às escarpas com a Águia Rabalva, a Águia Pesqueira, o Britango ou a Águia Perdigueira. Prevenção de incêndios com herbívoros selvagens, veado, cabra montesa e cavalos, algumas partes já estão vedadas o que diminui o risco de conflito. Talvez utilizar zonas militares para o restauro de natureza. Implementar zonas sem pesca para recuperar os stocks de peixe e recuperar pradarias marinhas. 

Parque Marinho e Terreste da Costa Vicentina, controlar a expansão agrícola, adquirir terrenos para a conservação da natureza e regular o turismo. Reintroduzir a tartaruga terrestre, reforçar a população de coelhos e considerar a reintrodução do lince. No mar restaurar as florestas de laminárias (kelp), criar zonas refúgios para a migração de atuns e promover a nidificação de tartarugas marinhas nas praias menos acessíveis.

Parque Nacional do Tejo Internacional, adquirir grandes propriedades, recuperar as quatro espécies de abutre e promover parcerias com o setor da caça para criar refúgios para a vida selvagem. Adaptar a paisagem para as alterações climáticas, introduzir o burro selvagem, a cabra montesa e a tartaruga terreste e preparar a chegada do lobo ibérico. Considerar a remoção de barragens obsoletas no Tejo e ribeiras adjacentes.

Parque Nacional do Guadiana e Planícies de Castro Verde, parar a intensificação agrícola, testar pilotos para o substituir práticas agrícolas para a preservação da natureza por processos naturais, como o pastoreio com animais semi selvagens para manter zonas abertas para as aves estepárias. Promover o turismo de natureza em redor do lince ibérico, reintroduzir o castor para manter água na paisagem e criar corredores entre a costa Alentejana e as planícies da Andaluzia.

Parque Nacional das Serras do Algarve. Recuperar as florestas de medronheiros, alfarrobeiras, sobreiros e amendoeiras, para travar o avanço do Sahara para o Alentejo. Controlar a expansão urbana, considerar o uso de brigadas de animais selvagens para prevenir incêndios, reintroduzir o castor para armazenar água nas ribeiras e analisar a possibilidade de introduzir espécies do Norte de África.

Parque Nacional Marinho e Terreste dos Açores, interface entre Laurissilva e Mar. Criar zonas sem pesca, promover um turismo sustentável de observação de baleias e golfinhos, considerar a reintrodução de foca monge. Controlar as espécies invasoras de plantas e animais como o coelho e o rato, com uma abordagem semelhante à das Berlengas.

É preciso pessoas no terreno, uma figura de Diretor para os Parques, uma estratégia de gestão ambiciosa e um compromisso duradouro. Se o ICNF não tem vontade, capacidade ou visão então porque não gerir as áreas protegidas com parcerias público-privadas como acontece em África? Deixar a aquisição de propriedades para a conservação da natureza a uma entidade sem nenhuma experiência como a Florestgal e usar chavões para mostrar trabalho, é mais uma prova da falta de rumo do ICNF e do Estado Português na preservação do mundo natural. As áreas protegidas não podem continuar ao abandono

Imaginar as áreas protegidas com Cs em mente: áreas core onde a natureza tem espaço; cadeias tróficas completas, com herbívoros, predadores e necrófagos; corredores para ligar zonas protegidas e permitir a movimentação de animais pelo Mar, Terra e Rios e; coexistência entre vida selvagem e o ser humano.

É preciso adquirir/alugar propriedades para dar espaço à natureza, zonas core, em Portugal o Estado tem poucas propriedades, inúmeras vezes faz conservação à moda “terreno do vizinho”, o que cria conflitos é cara e não é uma solução a longo prazo. Noutros locais é normal comprar ou arrendar terrenos para a conservação da natureza, casos da Espanha para proteger uma colónia de abutres negros e da Austrália para uma zona húmida, é seguir o exemplo.

Criar corredores entre as áreas protegidas. Ao longo dos rios e ribeiros do Douro e do Tejo. Ao longo das serras e montanhas do litoral e do interior, das zonas acidentadas a Norte às planícies a Sul. Restaurar migrações de herbívoros, entre zonas altas e planícies, entre um parque e outro; de peixes, entre mar alto, estuários, nascentes e, ao longo da costa; e criar mais zonas de refúgios para aves nas migrações de Primavera e Outono.

Cadeias tróficas completas, com herbívoros (corço, veado, gamo, javali, cabra montesa, muflão, cavalo, burro e gado selvagem e quem sabe outros), carnívoros (lince, lobo, urso e quem sabe outros), necrófagos (abutres, corvídeos e quem sabe outros). Até experimentar coisas novas, reintroduções de espécies localmente extintas como a tartaruga terreste, a foca monge, a cabra montesa ou o castor, ajudar espécies a adaptar-se às alterações climáticas através de colonização assistida como a Gazela do Atlas, a Tamareira ou o Macaco Bérbere ou ainda experimentar substitutos ecológicos para espécies extintas, como o Cavalo, a Vaca ou Burro Selvagem.

Por último, coexistência é fundamental, não se pode fazer conservação da natureza sem pessoas, é preciso minimizar problemas como colisões de animais com carros ou ataques de predadores a gado doméstico e maximizar as oportunidades através do turismo de natureza e da comunicação dos benefícios das áreas selvagens para mitigação das alterações climáticas. Aprender com outras latitudes se África coexiste com elefantes e a Índia vive com leopardos na Europa temos que também partilhar a paisagem com vida selvagem.

As áreas protegidas não podem continuar esquecidas, sem visão, estratégia ou recursos. É um desperdício para o mundo rural ter áreas escassas em natureza selvagem, uma oportunidade perdida de desenvolvimento. É um desperdício para a paisagem não ter zonas onde mitigar e adaptar os efeitos das alterações climáticas. É um desperdício as áreas protegidas serem apenas linhas no papel. É um desperdício o ser humano não ter zonas selvagens onde possa ser maravilhado, inspirado e deslumbrado com o mundo natural.

Portugal precisa de mais parques nacionais, para benefício de pessoas e natureza. Portugal precisa de mais áreas verdadeiramente selvagens.

Crónica de Daniel Veríssimo.
Enterprise Officer, Rewilding Portugal (Conservation Finance Expert) e Rewilding Europa.

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