Portugal precisa de menos barragens e mais pântanos

por Cronista convidado,    1 Outubro, 2022
Portugal precisa de menos barragens e mais pântanos
Fotografia de Cédric Dhaenens / Unsplash
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Seca e cheias são duas realidades aparentemente opostas, mas que serão cada vez mais comuns em Portugal à medida que o clima muda e fica mais alterado, imprevisível e inconstante. Como armazenar água na paisagem para pessoas e natureza é a pergunta deste século para Portugal, para a Europa e para muitas outras regiões do mundo. Mas devemos continuar a apostar nas velhas soluções do passado ou tentar algo novo?

A resposta do século XX ao problema das secas, cheias e da disponibilidade de água foi barragens. Os benefícios das barragens são vários, produção de energia, água para consumo humano, agricultura e indústria, regulação de caudais, navegação entre outros. Mas hoje poucos são os rios do mundo que ainda correm livres, como consequência, os impactos ambientais são cada vez mais claros, zonas húmidas são pequenas e raras, a abundância de peixes de água doce deu lugar a escassez e, plantas aquáticas de rios e ribeiros são cada vez mais ameaçadas. O bloqueio de sedimentos nas albufeiras aliada ao aumento médio do nível do mar, resulta numa erosão costeira cada vez mais rápida e agressiva.

No passado, Em Portugal, os pântanos ou pauis pintavam a paisagem de Portugal de Norte a Sul, o castor existia do Alentejo ao Minho, migrações de peixes subiam e desciam os rios como o Salmão, Sável, Enguias e Esturjão e, os sedimentos eram solo fértil para as lezírias do Tejo, os campos do Baixo Mondego e, o delta interior do Vouga. Na Europa, pelicanos e águias rabalva pescavam no delta do Reno nos Países Baixos, existiam planícies aluviais com vários milhares de quilómetros entre o Bosque de Vosges na França e a Floresta Negra na Alemanha e, milhares de castores mantinham a água nos ribeiros adjacentes aos grandes rios, através da construção de pequenas barragens “esponjas” que armazenavam grandes quantidades de água.

Hoje, em Portugal, as zonas húmidas foram drenadas, as migrações de peixes bloqueadas pelas barragens e, o grande arquiteto de zonas húmidas, o castor, está extinto. Como resultado, ribeiros correm bravos no inverno e secam no verão. Na Europa, grandes rios como o Po ou o Reno foram drenados e canalizados, a água usada para agricultura e indústria e, o curso dos rios foi artificializado para o transporte. Como consequência os rios são hoje muito menos resilientes às alterações climáticas, quando chove demasiado ou a neve derrete rápido, há cheias, quando não chove e não há neve, há secas

Dificilmente vamos recuperar os rios do passado, mas podemos inspirar-nos no passado para imaginar algo novo. É altura de fazer uma escolha para o futuro: Mais barragens? Ou mais rios livres? Menos ou mais espaço para a natureza?

Do Alentejo à Beira Alta, autarcas pedem mais barragens. A “solução barragem”, aumenta a evaporação, não recarrega aquíferos e, também significa mais ilusões em relação à disponibilidade de água. Tecnologia salva o dia? A dessalinização de água do mar é dispendiosa em energia e não resolve os problemas ambientais das barragens, como a falta de sedimentos nas zonas costeiras, destruição de habitat para peixes e outros animais e, por vezes cria novos problemas como o aumento da salinidade local do mar.

A remoção de barragens obsoletas e excessivas é muitas vezes a melhor opção para pessoas, economia e natureza. Elimina custos de manutenção de infraestruturas que já não servem nenhum propósito, eliminam um risco ambiental para as populações locais e, restaura o ecossistema para a vida selvagem. 

Há bons exemplos de outros países, em Espanha, se a barragem não está em uso, o concessionário ou dono da barragem é obrigado por lei a remover a estrutura e restaurar a zona do rio afetada pela obra. Na Finlândia, o argumento principal para a remoção de barragens é o dos stocks de peixes de água doce como a truta e o salmão. Nos Estados Unidos, a remoção de barragens é uma prática comum há várias dezenas de anos para benefício de pessoas e natureza

Em Portugal há barragens, obsoletas que já não estão em uso mas também excessivas, há perto de 1200 barreiras só do lado Português do Rio Douro e afluentes. Na Europa, há mais de 1 milhão de estruturas a bloquear linhas de água de grandes rios a pequenos ribeiros.

É urgente remover barragens de Norte a Sul do País, trocar as albufeiras das barragens por zonas húmidas, pântanos e pauis para armazenar água e reintroduzir o castor para restaurar a harmonia aos rios e ribeiros. Não através de intervenções de “maquilhagem”, que não recuperam dinâmicas perdidas e que precisam de ser replicadas passados alguns anos. Mas através de processos naturais, dar espaço à natureza na paisagem, para que a água de anos de cheias seja água para os anos de seca. 

Os rios de Portugal já não são rios, mas se sonharmos algo diferente (24), podem voltar a ser. Portugal precisa de menos barragens e mais pântanos.

Crónica de Daniel Veríssimo.
Enterprise Officer, Rewilding Portugal (Conservation Finance Expert) e Rewilding Europa.

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