Power Balance, uma história de amor entre marketing e pseudociência

por José Malta,    16 Março, 2020
Power Balance, uma história de amor entre marketing e pseudociência
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Ao contrário do que muitos pensam a pseudociência não é de agora nem apareceu graças a um grupo de lunáticos que invadiu as redes sociais. Existe desde há muitos anos e foi sempre uma das maiores inimigas da própria ciência. Alguns têm dificuldade em distinguir ambas pois surgem inúmeras histórias e casos sem qualquer fundamento científico que causam um impacto notório sobre as populações. São muitas as pessoas que se deixam levar por teorias infundadas e sem qualquer conteúdo fidedigno, abrindo portas para futuros perigos numa altura em que estamos altamente dependentes da ciência e do progresso científico e tecnológico que visa melhorar as nossas vidas dia após dia. Histórias de que as vacinas provocam autismo nas crianças, que a homeopatia é uma forma fidedigna no tratamento de doenças, e que tudo e mais alguma coisa provoca cancro, ou que o cura, são coisas que têm ganhado tempo de antena. Isto já para não falar dos chamados “terraplanistas”, fanáticos que tentam fundamentar teorias da conspiração de que a Terra é plana e não redonda, refutando evidências e menosprezando toda uma luta e um trabalho feito por cientistas ao longo de vários séculos.

No entanto, face a todas histórias e relatos, se recuássemos apenas dez anos no tempo não encontraríamos toda este populismo da pseudociência que se manifesta das mais diversas maneiras, mas encontraríamos um episódio que fez com que muitos se deixassem levar por falsos fundamentos e por razões que de facto eram irracionais. Quem é que ainda se lembra da Power Balance, popularizada em Portugal como “pulseira de equílibrio”, que levou muitos a aderirem a este acessório de forma fanática, sem questionar os seus efeitos? Provavelmente, dado o tamanho do fracasso, há boas razões para esquecer, principalmente por parte daqueles que tiveram uma pulseira destas e que acreditavam nos seus efeitos. A verdade é que este foi um episódio onde a pseudociência, embora mascarada pela simplicidade e pelo design do acessório que o tornava bastante atraente, conseguiu ter um sucesso momentâneo. A empresa foi fundada na Austrália em 2007 e começou a produzir pulseiras de silicone com um design simples, mas moderno e com um holograma de cada lado, alegando que esse holograma interagia magneticamente com o seu utilizador. Dizia-se ainda que o holograma teria sido desenvolvido (supostamente) por um cientista da NASA e provocaria (supostos) efeitos quânticos que promoviam uma melhoria do desempenho físico dos atletas, maior equilíbrio emocional e até uma maior resistência na prática desportiva nos seus utilizadores.

Foram várias as personalidades que surgiram publicamente com esta pulseira, desde atletas carismáticos como Cristiano Ronaldo e Kobe Bryant passando pelo antigo presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, houve uma campanha publicitária grotesca que conduziu as vendas das pulseiras Power Balance a um nível exorbitante. O preço andava à volta dos trinta euros e aparições em lojas de desporto, lojas online e até mesmo vendedores ambulantes foi coisa que não faltou. A Power Balance tornava-se, em 2010, como o mais icónico e prestigiado acessório da moda, visto como um gadget que abriria portas para a tecnologia do futuro. Ter uma Power Balance era o mesmo que ter um superpoder que nos equiparava a um super-herói da Marvel. Alguns mais novos, que se deixavam levar pela sua inocência, julgavam que a Power Balance tinha os mesmo efeitos que a poção mágica do Astérix. E de facto, para aqueles que frequentavam o ensino básico ou secundário na altura, o miúdo que aparecesse com uma Power Balance no pulso passava a ser de imediato o mais cool da turma.

Quem ia para o ginásio, para os treinos ou para uma corrida com a Power Balance era sinal de que estava com maior equilíbrio físico e emocional e por sua vez um maior rendimento na prática do desporto, contrariando os pobres coitados que praticavam exercício físico através de um plano de treino rigoroso e que nunca teriam uma performance como aquela que um tipo com uma Power Balance teria. Sim, este é um pensamento algo exagerado, mas havia quem tivesse não pensasse muito longe disto. Toda a gente queria ter uma Power Balance porque era giro e moderno, porque dava estilo, e porque era terapêutico andar com uma. As imitações também aparecerem e houve quem tentasse copiar o holograma da pulseira. A única diferença entre as pulseiras era mesmo o preço, enquanto que a original ficava-se pelos trinta euros e as falsificadas ficariam à volta dos cinco euros e tinham um holograma com diferenças em relação ao original. O efeito de ambas era o mesmo: nenhum. E ainda assim cinco euros era caro para uma simples pulseira de silicone com um holograma de cada lado.

Os efeitos da Power Balance foram sempre suspeitos, mas poucos foram aqueles que os questionaram. Não havia uma única evidência científica e todos continuavam a comprá-la, mesmo sem certezas das suas vertentes. Alguns atletas diziam sentir uma melhoria no seu desempenho, mas não havia melhoria nenhuma. Era tudo efeito placebo, uma concepção positiva de que ao estarmos perante aquele objecto vamos ser mais bem-sucedidos do que sem ele. Foram vários os cientistas e especialistas em motricidade humana de diversos países alertaram para os efeitos duvidosos da pulseira na prática do desporto dada a falta de viabilidade científica. Num talk show televisivo da altura, Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra, quando fora abordado sobre os supostos efeitos quânticos da pulseira conseguiu ser breve e sucinto ao afirmar que “Aquilo é uma treta”, dizendo ainda que “Não tem efeito quântico nenhum. Pegar numa tira de borracha e colar um daqueles hologramas dos cartões de crédito é a mesma coisa”. O modo como muitos se referem à mecânica quântica, sendo este um ramo da física que consegue descrever fenómenos e mecanismos à escala atómica através de um conjunto de princípios e de uma matemática bastante robusta, é muitas vezes associado a algo mágico e milagroso, o que no fundo é uma enorme falácia. Quando nos deparamos com algo que evidencie um “efeito quântico” convém termos cuidado pois esta é uma espécie de chave que abre um portal enorme para a charlatanice.

No final de 2010, apesar de ter sido eleita como o produto de desporto do ano pelo o canal CNBC nos Estados Unidos e já ter lucrado milhões de dólares em vendas, o conto de fadas da Power Balance começava a desmoronar-se com as suspeitas que sempre existiram a ganharem força. Os utilizadores começavam a perceber que de facto a pulseira não tinha efeito nenhum e que talvez fosse uma farsa. Talvez não, era mesmo. No início de 2011 a empresa foi obrigada a desmentir os supostos efeitos na Austrália, e este começava a ser o princípio do fim de uma ideia que aparentemente tinha tudo para continuar a crescer. Os primeiros estudos, ensaios clínicos e artigos científicos sobre o efeito placebo, com base em testes de equilíbrio e performance física em pequenas amostras de indivíduos, começavam a ser divulgados e finalmente publicados. Em Espanha, a empresa foi condenada a pagar indeminizações nas regiões onde se instalaram. Na Itália, a firma responsável pelo fabrico das pulseiras também foi pelo mesmo caminho. Nos Estados Unidos, as multas foram de vários milhões de dólares dada à publicidade enganosa. Processos e mais processos foi coisa que não faltou à companhia. Uma subida tão alta obviamente que iria causar uma queda abrupta. O inventário estava finalmente feito: a pulseira nunca funcionou nem nunca funcionaria, pelo menos para aquilo que supostamente se esperava.

A Power Balance foi uma história de amor entre marketing e pseudociência que teve um final trágico previsível, digno de uma peça de William Shakespeare.  Foi um negócio perfeito que se juntou a uma campanha de marketing e a uma propaganda pseudocientífica perfeitas e que, por sua vez, gerou uma tempestade perfeita. O sucesso do produto não durou muito tempo porque era tudo “uma treta”, mas durou tempo a mais tendo em conta o seu conteúdo duvidoso. O site da companhia ainda vende pulseiras e outros acessórios deste género com hologramas que se produzem o mesmo efeito. Ainda há quem as use, ou porque acredita no efeito ou porque julga que reduz as probabilidades de ser afectado pela actual pandemia de COVID-19 que está a conseguir abalar o mundo. Ainda há aqueles que, já que caíram na aldrabice, aproveitam o seu design e encaram-na como se fosse uma pulseira normal. Hoje só as compra quem quer ou quem ache que ainda é giro andar com uma, até porque existem pulseiras mais giras e baratas. Os Contos das 1001 Noites da Pseudociência ainda nos trarão mais capítulos como estes e convém que estejamos em alerta para a informação que nos chega e que nem sempre é verdadeira ou contém diversas lacunas. Numa altura em que temos que fazer uma seleção da informação que nos chega de um modo cada vez mais rigoroso, e onde qualquer opinião é encarada como um dogma, convém fazer cada vez mais esforços para que histórias como esta não voltem a acontecer. A Power Balance aparentemente já faz parte do passado, mas muitos perigos deste género podem surgir no futuro. Devemos continuar atentos aos casos mágicos e que são frequentemente vistos como vanguardistas, exemplos de bom empreendedorismo e que sinais de uma nova revolução tecnológica ou científica, mas que no fundo não são nada mais do que uma mão cheia de nada.

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