“Preacher”: ainda é possível contar histórias com temas sensíveis duma forma descontraída

por João Fernandes,    15 Outubro, 2019
“Preacher”: ainda é possível contar histórias com temas sensíveis duma forma descontraída
Preacher

Existem diferentes maneiras de adaptar um livro para o grande ou para o pequeno ecrã, uns defendem que a adaptação deve ser exatamente isso, uma adaptação, meter o conteúdo original em formato de filme, outros defendem que só se deve inspirar no material e contar uma história única. Indiferentemente dos gostos de cada um, existem bons exemplos em ambos: no primeiro temos o filme “300” de Zack Snyder e no segundo, um exemplo recente, o filme “Joker” de Todd Phillips. A série que venho aqui falar encontra-se na segunda vertente, “Preacher” apesar de contar uma história diferente, mantém-se fiel naquilo que realmente importa, captando na perfeição o espírito ofensivo, violento e hilariante do comic culto criado por Garth Ennis e Steve Dillon.

Preacher

A história de “Preacher” acompanha Jesse Custer, um reverendo de uma pequena cidade no Texas, com um passado ligado ao crime, que é possuído por uma força espiritual fugitiva do céu chamada Génesis, a qual lhe confere o poder de fazer com que qualquer um o obedeça. Quando este se apercebe que Deus se ausentou do Céu, decide procurá-lo de modo a encontrar as respostas que procura, com a ajuda de Tulip, a sua ex-namorada, e Cassidy, um vampiro irlandês com 119 anos.

Sendo eu ateu e tendo algum conhecimento da história da Bíblia (por ter uma educação cristã) fiquei totalmente intrigado pela criatividade do argumento de “Preacher”, ao meter todas as minhas perspetivas sobre religião cristã viradas do avesso. Aqui os anjos andam armados, o Deus anda de mota pelo mundo vestido com um fato de fétiche sexual de um cão e o Jesus teve relações sexuais antes de se sacrificar pelos nossos pecados, dando origem a um filho cujos descendentes subsequentes foram protegidos ao longo dos séculos por uma organização secreta designada por Grail.

“Preacher”

É difícil de digerir, eu sei… Não há limites para a imaginação absurda do enredo, poderia ser um ponto negativo esta loucura presente, no entanto, tem um objetivo em mente de desconstruir crenças religiosas e brincar com temas tabu. Tanto a série como o livro, sabe muito bem o que é, não muda o seu conteúdo para agradar às massas, conta o que quer e como quer. A iniciativa de marketing da temporada anterior é prova disso, lançaram várias imagens a incentivar o telespectador a não ver a série, exemplos do género: “Facilmente ofendido? Facilmente aterrorizado? Não vejas “Preacher””.

“Preacher” oferece impressionantes sequências sangrentas de ação em conjunto com uma comédia satírica. Uma combinação que muitas vezes faz lembrar o estilo dos filmes de Quentin Tarantino.

As duas potenciais razões que encontro para alguém não ver “Preacher”, é se essa pessoa não tiver um grande sentido de humor ou se for hematofóbico (horror patológico ao sangue), fora disso a série oferece muito mais que um argumento estranho e confuso. Conta com um grupo de personagens principais invulgares com um excelente elenco por trás, a começar com o protagonista Jesse Custer (interpretado por Dominic Cooper), que é megalomaníaco, acredita que Deus tem um plano divino para ele, além disso, é um namorado controlador e frequentemente com inveja. Já Joseph Gilgun interpreta o vampiro irlandês, Cassidy é um drogado arrependido das suas ações cobardes do passado. E por último temos Ruth Negga, no papel da ex-namorada, Tulip é uma mulher confiante e ao mesmo tempo insegura, que repetidamente age antes de pensar.

“Preacher”

Em relação a esta quarta e última temporada, Deus prepara-se para destruir o mundo e o grande clímax da temporada não é necessariamente o Apocalipse, mas sim o confronto das personagens com o seu criador. O Deus tem características muito humanas, o conceito que “o homem foi feito à sua imagem e semelhança” é levado à letra e sendo assim, Deus tem muitos defeitos como nós. O todo poderoso diz, numa forma orgulhosa, que deu livre-arbítrio à humanidade, contudo, torna a vida difícil de quem bem entender. Os humanos são meros brinquedos para ele se entreter e posteriormente, receber afeto. Ou seja, a vida das personagens de “Preacher” é totalmente adulterada por esta entidade, porém, estes três indivíduos criam laços de amizade e de amor mais fortes que qualquer obstáculo que lhes apareça à frente.

Por fim, e como vivemos numa sociedade que cada vez mais desafia a nossa liberdade de expressão, julgando ao microscópio tudo o que dizemos ou fazemos, a equipa criativa composta por Evan Goldberg, Seth Rogen e Sam Catlin prova que ainda é possível contar histórias que tocam em temas sensíveis duma forma descontraída, abrindo assim a porta a novas séries que partilhem desta ideologia.

Texto escrito por: João Fernandes

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