Precisamos de falar sobre o Porto. Urgente. Chamar as coisas pelos nomes
Precisamos de falar sobre o Porto. Urgente. Chamar as coisas pelos nomes. Juntar as peças e ver o problema estrutural que temos em mãos, já não se trata só do valor das rendas. É guerra aberta aos cidadãos, estado de sítio, o vale tudo. Gruas que caem e destroem casas, dois casos em dois meses.
Quem se vai responsabilizar? Prédios que ardem fazendo vítimas mortais. Quem se vai responsabilizar? Quem montou mal as gruas com o tesão de construir desenfreadamente? A quem interessa que arda um prédio de onde se tentava expulsar os moradores? A quem interessa que arda a casa onde nasceu Almeida Garret – que esteve inteira mais de 200 anos – exactamente na semana em que a CMP faz uma proposta de compra? Como é possível termos chegado a um ponto em que há pessoas a precisar de ser acompanhadas por seguranças para evitar o assédio dos senhorios? Mas mais do que isso: quem permite tudo isto? Quem coloca na destruição a máscara do progresso? Quem abastarda completamente a alma de uma cidade com o discurso da inovação? E já agora, que conversa é essa de que antes o Porto era horroroso, imundo, super perigoso? Para que conste, o Porto está um nojo agora, lixo por todo o lado como não se via há 20 anos atrás, é insuportável andar na rua com filas de turistas e grupos a andar a 2km/h, é insuportável ver a poluição visual das hamburguerias e das creperias e das gelatarias e das taskas e do resto do amontoado de clichés a substituir os tascos típicos, as retroserias, as floristas, os farinheiros.
O Porto já não é Porto, é um postal, um parque temático cada vez menos mágico. As sociedades evoluem, claro. A história avança, claro. As cidades alteram-se, claro. Mas pela vivência dos seus cidadãos, as suas vontades, as suas propostas, as suas acções. Não pela imposição de um mercado facínora com o amém de um poder político incompetente, deslumbrado e refém das vontades de investidores que se estão a marimbar para a cidade desde que saiam daqui com o dobro do dinheiro do que entraram.
Lisboa aceitou regular o Alojamento Local tentando fazer o mínimo para controlar este absurdo. O executivo da cidade do Porto recusou ter um papel nisso. Não porque não possa ou não deva, mas porque não quer. É importante que fique claro. É um discurso e um programa político muito claro, que escolhe o mercado em detrimento dos cidadãos, sem pestanejar, e que ainda tenta impor a ideia de que é pelo bem geral.
Vamos lá ser honestos: quem beneficia com isto? Os moradores das fontainhas? Os comerciantes que vêem os seus estabelecimentos centenários encerrados? Eu? Vamos a apostas: quando virá a próxima crise? 2022? É uma questão de tempo. E depois, meus amores? Qual será o tamanho da queda? Não se iludam, que nós também não.
Crónica de Maria Leonor Figueiredo
Artigo editado às 14h34