Prenda de Natal? Um soldadinho de chumbo

por Hélder Verdade Fontes,    23 Dezembro, 2024
Prenda de Natal? Um soldadinho de chumbo

Um dos momentos mais aguardados do Natal é a troca de prendas. Mais novos ou graúdos, do Norte ao Sul, do continente às ilhas, todos aguardam o momento de abrir as prendas, seja um embrulho grande ou algo mais pequeno e simbólico. Esta crónica não será sobre a mercantilização da época ou a desigualdade associada a tudo isto. Trago antes a notícia de que os portugueses têm, desde já, uma prenda no sapatinho. Desta feita, sem embrulho, de tão óbvia que é — um soldadinho de chumbo para todos.

A prenda só começa a poder ser usada a 27 de Dezembro, dia em que o mandato de Gouveia e Melo enquanto chefe do Estado-Maior da Armada termina. Já tinha afirmado que não pretendia ser reconduzido, mas decidiu também passar à reserva para “não perder liberdade no exercício de direitos cívicos”. Notem que isto não é uma nota de intenção face a uma possível candidatura presidencial — é a afirmação em plena voz de que o vai fazer.

Engana-se quem acha que o problema desta prenda está em ser-se “soldadinho”. Não é por ter alguém sido militar que pode ver os seus direitos negados. Nem é preciso referir os inúmeros exemplos de excelentes chefes de Estado que o foram. Basta pensar que, durante várias décadas, o exército foi dos poucos sítios que permitia a progressão de jovens de famílias pobres, assim como uma oportunidade única para prosseguir estudos. Não que este seja o caso de Gouveia e Melo, mas essa nunca será razão válida para justificar qualquer descrédito ou limitação de direitos políticos.

De igual forma, não é por ter sido militar que será necessariamente melhor do que qualquer outra pessoa. Tenho inclusive dificuldade em perceber a glorificação que algumas instituições têm. É preciso recordar o caso de tancos ou o tráfico de “diamantes” na República Centro-Africana? Os militares trouxeram o 25 de Abril, mas também o 28 de Maio de 1926. Tão importante como não atirar o bebé com água do banho é não deixar que fique na água eternamente. Em todas as instituições existem pessoas competentes e menos competentes — ser ou não militar não é nem ponto positivo ou negativo.

O problema está, neste caso, na prenda ser de chumbo. Não sabemos nada do que pensa Gouveia e Melo sobre o estado da democracia, a qualidade das instituições em Portugal ou os desafios sérios que o futuro nos apresenta, da economia à saúde, da educação à digitalização. E, na realidade, tenho receio de saber, porque das poucas vezes em que se expõe a algo mais do que banalidades o que sai é francamente mau.

De um novo modelo para o serviço militar obrigatório à condecoração de Isaltino Morais, de dizer que “desafios e superação” atraem mais jovens do que um salário digno a uma revista de propaganda barata, nada disto inspira confiança ou inovação em Gouveia e Melo. Para quem alimenta a ilusão de um homem providencial que vive de forma supra-partidária, não conseguimos tirar nada para além de uma visão morta e enterrada.

Se a única bandeira que Gouveia e Melo tem é a operacionalização do processo de vacinação, como aparenta ser, então a fasquia para a Presidência da República está muito baixa. A prestação de Gouveia e Melo enquanto coordenador de uma Task-Force é positiva, ninguém pode dizer o contrário, mas será de duvidar que o antecessor com as mesmas condições — remessas massivas de vacinas — não teria um desempenho similar? E já ninguém se lembra que Gouveia e Melo esteve na direcção da Task-Force quando Francisco Ramos a dirigia de forma “incompentente”?

Não gostando de acreditar em qualquer determinismo, tudo indica que não haverá nenhum candidato que rivalize com Gouveia e Melo. Parece mesmo que desta prenda não nos vamos livrar tão cedo. E é uma com peso suficiente para nos fazer afundar.

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