Primeira edição do “Espanto” marcou início de novo capítulo para a filosofia em Portugal

Festival Internacional de Filosofia levou cerca de 1.350 visitantes a Cascais, entre 19 e 22 de junho.
Terminou no domingo passado a primeira edição do “Espanto” – Festival Internacional de Filosofia, uma iniciativa inédita em Portugal que transformou a vila de Cascais, durante quatro dias, num espaço vibrante de ideias, diálogo e emoção. O festival, que levou a Filosofia para fora da academia, representou um novo capítulo na forma como esta área do conhecimento é entendida e vivida em Portugal.
Segundo Catarina G. Barosa, fundadora do festival, “o pensamento está em perigo e, por isso, tornou-se urgente criar este evento”. Questionou ainda “até onde nos pode levar a renúncia ao pensamento?”, afirmando que “esta é a pergunta que nos deve perseguir nos tempos atuais. A Filosofia, enquanto disciplina de amor à sabedoria, pode salvar-nos das pulsões do nosso tempo.”

O tema escolhido para esta primeira edição – “o medo” – revelou-se particularmente relevante. “Por ser um sentimento relacionado com a finitude que nos define, associada à nossa frágil passagem pela vida, à vulnerabilidade dos nossos corpos, à avalanche de sentimentos a que somos submetidos todos os dias, uns atrás dos outros, habita-nos a todos e é, por isso, um elemento unificador, uma razão suficiente para, num primeiro festival de filosofia no nosso país, nos juntar a todos”, destacou Catarina G. Barosa.
Organizado com o apoio da Câmara Municipal de Cascais e da Fundação D. Luís, o “Espanto” contou com a presença de figuras como Peter Sloterdijk, Gilles Lipovetsky, Michel Eltchaninoff, Donatella Di Cesare, Samantha Rose Hill, Daniel Innerarity, Bernat Castany Prado, Beatriz Batarda, Joana Bértholo, Arlindo Oliveira, Artur Ribeiro, Luísa V. Lopes, Edson Athayde, Paulo Pascoal, David Erlich, Joana Rita Sousa e Laura Luz Silva, entre muitos outros nomes das artes, da ciência, da literatura e da filosofia.
Para Salvato Teles de Menezes, Presidente do Conselho Diretivo da Fundação D. Luís, “o medo tem sido sempre motor e matéria da arte e do pensamento. Esta iniciativa é também uma tentativa de encontrar abrigo no meio dessa paisagem árida que é, tantas vezes, a nossa contemporaneidade”.
Um dos momentos mais marcantes aconteceu logo nos dois primeiros dias, quando cinco filósofos visitaram os bairros comunitários 25 de abril, Torre e Adroana, para dinamizar sessões abertas à comunidade, seguidas de atuações de artistas locais. Estas ações demonstraram que a reflexão crítica e o diálogo não são exclusivos de auditórios ou universidades. Pelo contrário, podem e devem habitar os espaços onde mais se sentem os efeitos da exclusão, da vulnerabilidade e do medo – tema central da edição de estreia.
Na sexta-feira, o jantar “In Vino Veritas” marcou a abertura oficial do festival. Num ambiente intimista, no restaurante Conversas da Gandarinha, José Gil, personalidade homenageada desta edição, foi o convidado especial da noite e deixou uma reflexão poderosa sobre o estado atual do pensamento. O momento foi ainda assinalado por um microfone aberto, onde todos os presentes foram convidados a partilhar os seus medos, num raro exercício de escuta, vulnerabilidade e liberdade filosófica.
A Casa das Histórias Paula Rego foi um dos cenários principais do festival, com sessões filosóficas no auditório e atividades ao ar livre nas quatro Ágoras instaladas nos jardins. Estas praças modernas acolheram desde debates com pensadores consagrados a oficinas para crianças e jovens, concursos de discursos e leituras encenadas, com o objetivo de estimular o pensamento e promover a curiosidade, em qualquer idade.
No sábado, o Pátio da Cidadela de Cascais acolheu a atuação da cantora portuguesa Milhanas, numa noite que ainda teve espaço para aulas magnas sob as estrelas. O festival encerrou-se neste mesmo local com a leitura encenada da obra “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”, de José Gil, pela atriz Beatriz Batarda.
O encerramento do “Espanto” ficou marcado por uma emocionante homenagem a José Gil. O filósofo e ensaísta português, figura incontornável da Filosofia contemporânea, foi reconhecido pelo seu contributo para o pensamento nacional e europeu, numa cerimónia que que recordou não apenas o seu legado, mas também todos os que fazem da Filosofia um exercício contínuo de resistência, lucidez e esperança.
Nas suas palavras de agradecimento, José Gil, sublinhou que “celebrar este esforço que nós todos fazemos, significa para mim uma homenagem e uma celebração a todos nós, não só a mim, a todos os que praticam esta atividade um pouco estranha e bizarra que é tentar pensar filosoficamente, e entender o que se passa. Com tantas quebras, com tantas falhas com tantas desilusões que acontecem no mundo. E uns certos prazeres, umas certas recompensas pelo que se fez aqui e ali, pequeninamente”.
“O festival superou todas as nossas expectativas. A adesão das pessoas foi muito grande, o que nos motiva para continuar. Os filósofos participantes foram notáveis na forma como apresentaram as suas ideias sobre o medo e as conversas entre eles e o público nas Ágoras dos jardins da Casa das Histórias Paula Rego estiveram sempre lotadas. Um sucesso!”, concluiu Catarina G. Barosa.
O “Espanto” mostrou que pensar não é um luxo reservado à academia, mas uma necessidade vital, especialmente em tempos de medo e incerteza. Foi o início de uma transformação cultural que restitui à Filosofia o seu lugar na esfera pública, enquanto disciplina viva, acessível, intergeracional e politicamente relevante.
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