Primeira grande exposição de Dozie Kanu, “Preenchendo Vazios”, chega a Portugal, do Texas para Santarém
Neste sábado, 16 de março, às 17h00, o espaço Lumiar Cité recebe os artistas Dozie Kanu e Simon Thompson para uma conversa. A primeira grande exposição em Portugal do artista norte-americano que escolheu Santarém para viver e trabalhar, pode ser visitada gratuitamente no mesmo local até 14 de abril.
Foi num barracão convertido em atelier, numa aldeia perto de Santarém, que Dozie Kanu produziu grande parte das obras que compõem a sua primeira grande exposição em Portugal. À primeira vista, o título “Preenchendo Vazios” parece implicar o preenchimento de um espaço de exposição, mas neste projeto tem um significado mais acutilante. A obra de Kanu refere-se a pontos cegos nas instituições ocidentais dedicadas a discursos da história da arte e à exposição de arte, que ele, por sua vez, ocupa através de apropriações subtis dessas práticas.
O trabalho artístico de Dozie Kanu baseia-se num exame profundo da cultura dos materiais. As suas observações culturais-antropológicas quanto a posicionamentos no mundo (da arte) ocidental servem-lhe como fonte para as esculturas e instalações espaciais – uma prática que, em anos recentes, tem levado a um reconhecimento internacional da sua obra.
As suas montagens de materiais “encontrados” parecem esteticamente sofisticadas, mas não disfarçam a sua utilização original. Formalmente, fazem referência a fenómenos culturais comuns no sul dos Estados Unidos da América, incluindo a estética da cultura “slab” (uma extensão do movimento “tuning”, de modificação de veículos) ou a prática em torno de materiais por artistas negros do Sul. Porém, a prática de Kanu também faz lembrar a forma como os materiais são agrupados nas práticas artísticas da modernidade ocidental que se inspirou em culturas não ocidentais, mas ignorando características como as questões do animismo ou da ativação através do movimento, como no caso das máscaras africanas.
A forma apelativa habitual de contemplação das suas obras de arte é desafiada pelo artista; ao sugerir outras utilizações (aplicadas), o artista atira efetivamente areia para as engrenagens de apreciação das belas-artes. Com uma linguagem eloquente em termos de materiais, os trabalhos de Kanu parecem, à primeira vista, perseguir a ideia de arte pela arte, insistindo aparentemente na noção de autonomia herdada do modernismo. No entanto, o artista subverte subtilmente esta ideia no contexto do espaço expositivo ao sugerir “outras” possíveis utilizações.
Uma escultura monumental, através da qual o artista reformula dramaticamente as condições arquitetónicas e de acessibilidade do espaço expositivo serve, ao mesmo tempo, de plinto para novas esculturas produzidas para a exposição. As esculturas de mastros surgem sem bandeiras e, alguns visitantes podem sentir-se divididos entre olhar para uma escultura e a possibilidade implícita de se sentarem nela. O artista evoca-as, mas não estabelece deliberadamente quaisquer regras.
Trata-se de um jogo cuidadoso no corpo de trabalho do artista que desafia a ideia de puro, de original e autêntico da modernidade – uma modernidade que excluiu outras modernidades, não articuladas por homens e/ou brancos. Com as suas múltiplas formas de interpretação e utilização, as esculturas de Dozie Kanu são ambivalentes, emulando, precisamente, a desordem que o modernismo tentou e continua a querer erradicar.
DOZIE KANU (Houston, 1993) vive e trabalha em Santarém. Entre as suas exposições recentes, destacam-se os seguintes espaços: Galerie Barbara Weiss, Berlim (2023); Kölnischer Kunstverein, Colónia (2023); Quinn Harrelson Gallery, Los Angeles (2023); C Mine, Genk (2023); Oregon Center for Contemporary Art, Portland (2023); Galerie Francesca Pia, Zurique (2022); Public Art Fund in Brooklyn Bridge Park, Nova Iorque (2022); San Francisco Museum of Modern Art (2022); Project Native Informant, Londres (2022); Neuer Essener Kunstverein, Essen (2022) Galeria Madragoa, Lisboa (2021); Performance Space New York (2021); e The Studio Museum in Harlem, Nova Iorque (2019).
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