Projeto quer “fazer justiça” à música clássica brasileira no mundo
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a maior distribuidora de música clássica do mundo estão a editar dezenas de composições para “fazer justiça” e promover um género menos conhecido da música brasileira.
A iniciativa partiu em 2017 de Gustavo de Sá, então chefe da divisão de ações culturais do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que hoje se transformou no Instituto Guimarães Rosa.
O projeto “nasceu da observação de uma necessidade, que era a de ter material de base para as ações de divulgação da música brasileira de concerto”, explicou à Lusa o diplomata, numa entrevista a partir de Lisboa.
“Quando tentávamos fazer contactos com orquestras, com salas de concerto, com programadores, com festivais, sempre esbarrávamos na dificuldade de não ter gravações das obras ou partituras”, disse.
Para o fundador e presidente da editora Naxos, o convite vindo de Brasília foi “um sonho tornado realidade”. “Quando era jovem, queria ir viver para o Brasil e então decidi aprender português, na Universidade de Lisboa”, disse Klaus Heymann, de 86 anos, à Lusa.
Após cerca de dois anos para acertar os detalhes com as orquestras brasileiras, as gravações arrancaram em 2019, mas tiveram de fazer “um hiato” por causa da pandemia, lamentou o alemão, numa entrevista em Hong Kong, onde fica a sede da Naxos.
Apesar do impacto do novo coronavírus, o projeto já conta com 20 álbuns editados e mais 20 a serem preparados, disse Gustavo de Sá.
“Na verdade, acho que o céu é o limite”, disse Klaus Heymann. “Estamos a falar sobre a gravação de uma ópera no Rio de Janeiro. Por isso, se acrescentarmos música de câmara e talvez algumas óperas, talvez chegue aos 70” álbuns, sublinhou.
A maioria das composições será executada por grupos e músicos brasileiros, incluindo a Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo, a Orquestra Filarmónica de Minas Gerais e a Orquestra Filarmónica de Goiás.
Heymann deu como exemplo a gravação, prevista para 2024, dos concertos para violino de Camargo Guarnieri (1907-1993), com a orquestra de São Paulo e o brasileiro Guido Felipe Sant’Anna, que venceu em setembro uma competição para jovens violinistas, em Viena.
Além do mais consagrado dos compositores brasileiros, Heitor Villa-Lobos (1887-1959), o projeto inclui nomes menos conhecidos, sendo que algumas obras estão a ser gravadas pela primeira vez.
Heymann destacou Antônio Carlos Gomes (1836-1896), o primeiro autor do Novo Mundo a ter sucesso na Europa, que “chegou a ser dos compositores de ópera mais executados em Itália na segunda metade do século 19”, rivalizando com Verdi e Puccini.
Entre as curiosidades que já foram gravadas estão as composições de D. Pedro I (1798-1834), o primeiro imperador do Brasil, que chegou a ser também, durante menos de dois meses, rei de Portugal.
“Estava prevista apenas a gravação, mas aí tínhamos um coro, solistas e a orquestra ensaiados, todos disponíveis. Mas fazer um concerto inteiro com obras de D. Pedro I era muito arriscado”, admitiu Gustavo de Sá.
No final, “lotação esgotada, a sala cheia, uma procura enorme”, disse o diplomata, que atribui o sucesso do concerto da orquestra de Minas Gerais à curiosidade do público brasileiro por “um lado da história que ninguém conhecia”.
“Hoje em dia, solistas e orquestras não têm mais medo de programar música brasileira, porque é muito bem recebida pelo público”, acrescentou Gonçalo de Sá.
A música clássica brasileira “não costumava ser tocada com muita frequência mesmo no Brasil”, mas a situação está a mudar, com as orquestras a introduzirem composições locais no seu programa regular, disse Klaus Heymann.
O diretor da Naxos admitiu que o projeto “está a dar muito trabalho e não está a render muito dinheiro”, sobretudo porque os compositores ainda são pouco conhecidos no estrangeiro, mas disse estar “muito entusiasmado”.
Gustavo de Sá disse acreditar que a iniciativa está já “a fazer justiça” a “uma tradição de música clássica muito forte” no Brasil, que “não é simplesmente uma cópia da Europa, mas sim uma escola diferente, que faz parte da história da música”.