“Promising Young Woman”, de Emerald Fennel: saiba separar-se o filme da sua mensagem
Escrito e realizado por Emerald Fennell, “Promising Young Woman” é um filme que vive muito mais do seu argumento, e da boa interpretação de Carey Mulligan, do que da realização em si. Sobre o argumento há muito a dizer por entre as suas várias camadas, sempre como que subdesenvolvidas mas cheias de boas intenções, com uma execução dúbia que tem tanto de glorioso como de tiro no pé. Se é verdade que “Promising Young Woman” é um filme necessário na mensagem feminista que procura passar, ao qual é possível fazer um paralelismo com o que significou “Get Out” para o racismo, também não deixa de ser verdade que as suas boas intenções não são suficientes para fazer um bom filme, ou antes, um grande filme, digno de prémios de indústria, ovações simbólicas, e outros que tais.
Temos uma Carey Mulligan, femme fatale dos tempos modernos onde a mera existência do conceito neste tipo de cinema já não tem cabimento, morta por dentro por um acontecimento passado trágico, que vive solitariamente com os seus pais e tem como ocupação nocturna fingir-se de ébria em espaços de diversão nocturna com o propósito de demonstrar que todos os homens são iguais, e que todos os homens se aproveitariam sexualmente de uma mulher alcoolizada. Vamos dar de barato essa linha de raciocínio, presente em todo o filme, a bem da mensagem que pretende transmitir. A ironia é que não é na sua mensagem, mas antes na sua apresentação sádico-cómica entertaining que “Promising Young Woman” brilha, e é nesse fio que o filme se procura equilibrar, algures entre a lição “toma apanhei-te seu homem!” e o prazer de ver a vingança da protagonista (cuja origem só se percebe mais tarde) a materializar-se.
O desmontar da humilhação e violência sexual sofrida por algumas mulheres com a conivência, são só dos homens envolvidos, como também das mulheres que perpetuam o preconceito machista (se és mulher és vadia, se és homem és um herói), bem como das próprias ditas autoridades superiores, tais como quadros directivos universitários que preferem fechar os olhos a ter uma polémica entre mãos, é essencial, e é por isso que “Promising Young Woman” é tão elogiado no seu argumento, que não é particularmente brilhante ou bem escrito, mas antes está na ordem do dia, e bem. Não é isso que está em causa. O problema surge quando Emerald Fennell frontalmente, corporizando na personagem de Mulligan, assume estar a ensinar pretensiosos moralismos ao espectador, nomeadamente através do mais que previsível plot twist do último terço do filme (os homens são mesmo todos iguais), num enredo repleto de artimanhas manipulativas que força a sua conclusão no espectador ao invés de a deixar fluir naturalmente.
A personagem de Carey Mulligan, que se procura vingar dos homens, quer de forma geral, quer de forma bem concreta, afinal de contas vive a sua vida à volta deles e dedicando-se a eles, acabando Fennell por dar um tiro no pé na emancipação feminina que procura representar. Veja-se “Ma Rainey’s Black Bottom” por exemplo, que faz muito, mas muito mais, pela causa feminista, apresentando uma mulher realmente independente e emancipada que inverte totalmente a dinâmica homem-mulher a seu favor, sem precisar de o atirar pretensiosamente à cara do espectador.
De resto temos pena que a promoção de “Promising Young Woman” seja feita tendo por base uma caracterização vulgar com fantasia de enfermeira e uma versão a violoncelo de “Toxic” de Britney Spears. Haverá maior contradição? Tudo isso não retira mérito na apresentação provocativa e de entretenimento negro ao filme que é de facto delicioso, mas não queiram fazer deste um novo Get Out. Saiba separar-se o filme da sua mensagem.