Quais são hoje os festivais culturais independentes em Portugal?
Ontem, dia 11 de dezembro, foi um dia difícil para a cultura nacional. E não, não me refiro à audição da senhora ministra da cultura no Parlamento. Refiro-me à notícia de que o BONS SONS não existirá em 2025 e de que regressará em 2026 num formato bienal. Creio que não é difícil perceber as razões que levam a atual direção do SCOCS, entidade promotora do festival, a espaçar a cadência do BONS SONS. Apesar de toda a romantização, organizar um festival é uma tarefa exigente, cheia de riscos, e requer uma série de investimentos, conhecimentos e responsabilidades. Não é fácil para uma estrutura profissional, muito menos para uma estrutura comunitária.
Contudo, apesar de compreender esta decisão, não gostaria que a tomada de posição da direção do SCOCS deixasse de desbloquear um momento de reflexão sobre a sobrevivência da cultura nacional independente.
Não preciso de me alongar muito para explicar a importância cultural do BONS SONS, uma das mais relevantes plataformas da cultura nacional, com especial foco na música. É também um festival que nos ajuda a compreender-nos enquanto país, com um contributo indelével para a construção de uma visão renovada do “interior”. Tem uma enorme relevância económica para toda a região, contribui significativamente para a agenda mediática cultural nacional e é, por vezes, um oásis no meio das notícias de incêndios.
O BONS SONS possui uma capacidade extraordinária para criar e manter comunidades, dentro e fora de Cem Soldos, sendo o ativo mais importante da aldeia para a sua vitalidade e requalificação. Poderia enumerar ainda mais argumentos sobre a relevância do festival para a vida de Cem Soldos, de Tomar, do Médio Tejo e de Portugal.
Num país que já foi apelidado por alguém como o “país dos festivais”, pergunto: quais são os nossos festivais independentes com escala nacional? Como estão eles? Quantos sobreviveram ao período pós-namoro? Este slogan falacioso adormece-nos a consciência e faz-nos acreditar que esta vitalidade está garantida. Recentemente, apenas para mencionar festivais de diferentes áreas artísticas, o Walk & Talk, nos Açores, e o Materiais Diversos, em Minde, também passaram para o formato bienal.
Quais são hoje os festivais culturais independentes em Portugal? E, por favor, excluamos as festas municipais disfarçadas e as ações de ativação de marcas. Refiro-me a festivais independentes, com escala nacional, direção artística e um foco genuíno na criação e promoção da cultura em Portugal. Pois bem, não encontrarão muitos e se retirarmos Lisboa e Porto da equação, pior será o cenário.
Este “país dos festivais” é, na verdade, um país de grandes equívocos. Quero apenas alertar para a necessidade de criarmos uma base de apoio mais sólida para estes eventos, que são essenciais para a promoção do encontro e para a vitalidade cultural — e não só — do país.
O que o comunicado do BONS SONS não disse é que, se fosse menos incerto, se existissem mais empresas comprometidas e financiamento público nacional adequado, a cultura nacional teria uma montra anual, e o interior do país teria mais rasgos de utopia, tão essenciais para acreditarmos na mudança.
Podemos também abordar as receitas próprias e a autonomia financeira destes eventos, sendo o BONS SONS um excelente exemplo nesse aspeto. No entanto, é importante reconhecer que não se pode sustentar um evento desta natureza apenas na imprevisibilidade do consumo e na venda de bilhetes. O preço dos bilhetes baseia-se num equilíbrio delicado entre a necessária receita para o evento e a garantia do acesso à cultura. Estes representam, mesmo com recintos esgotados, menos de um terço do orçamento dos espetáculos e festivais culturais. É vital diversificar as fontes de financiamento, combinando apoios públicos, parcerias privadas e iniciativas comunitárias, para assegurar a sustentabilidade e o impacto cultural.
A passagem para o formato bienal é, para mim, um alerta. Um alerta arriscado que todos — comunidade local e país — deveríamos acarinhar antes que seja tarde. O futuro não se adivinha fácil, e o contributo de projetos como o BONS SONS é essencial para construirmos um mundo melhor.