Quão livre é a nossa liberdade?

por Cronista convidado,    1 Outubro, 2021
Quão livre é a nossa liberdade?
Fotografia de BP Miller / Unsplash
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Quando falamos em liberdade a primeira coisa que vem à cabeça de muitos é «25 de Abril». Este dia em 1974 marcou, não só, uma viragem histórica na democracia portuguesa como possibilitou aos portugueses conhecerem as suas liberdades que, até então, desconheciam. A verdade é que, 47 anos passados, muitos continuam sem saber os limites da sua liberdade.

Ninguém nasce completamente livre, mas uns nascem mais livres do que outros. Refletindo sobre o título de uma das obras de Angela Davis, «A Liberdade é uma Luta Constante», e sabendo que a autora é uma cidadã norte-americana, política e ativista negra, que fez parte da lista dos 10 mais procurados pelo FBI no início da década de 1970, percebemos que muitas minorias estão longe de alcançar o que muitos já alcançaram nas últimas décadas. Recentemente, após a morte de George Floyd o mundo mobilizou-se e deu-nos a conhecer o movimento Black Lives Matter. Muitos outros movimentos percorrem o mundo em lutas que buscam maximizar a liberdade e terminar com injustiças sociais, mortes, violações, etc., como o movimento Me Too. Enquanto muitos continuam a lutar pela sua liberdade, outros utilizam o seu privilégio para transpor alguns limites.

Se perguntarem se me considero livre, a resposta será «sim!», mas quão livre serei eu? Onde estão os limites da minha liberdade? Claro sabemos que as leis devem ser cumpridas e que, muitas vezes, estas limitam as nossas vontades, mas além das leis há outros limites estabelecidos por cada um de nós. Imaginemos que vivemos dentro de uma bolha e somos livres de circular e viver a nossa vida, mas quando a nossa bolha colidir com a bolha de outro sujeito temos de saber reconhecer quais são os nossos limites e a partir do momento em que transpomos esses limites e deixamos que os nossos atos afetem, direta ou indiretamente, a vida de outra pessoa, já não se trata apenas da nossa liberdade e devemos perceber que estamos a invadir o espaço e a liberdade do outro. Pensando no exemplo do assédio, o uso de piropos pode parecer algo sem maldade para quem os profere, mas estes são muito frequentemente desconfortáveis para as pessoas a quem são dirigidos e, desta forma, o que para uns pode parecer aceitável, para outros pode ser maldoso.

Na outra face da moeda encontra-se a liberdade individual de cada um que, muitas vezes, depende da vontade coletiva de outros, como por exemplo de deputados e partidos na Assembleia da República ou no caso de um referendo. Há algumas decisões que devem ser tomadas exclusivamente pelo sujeito em questão, embora com o aconselhamento de especialistas: como aborto e eutanásia. Começando pelo primeiro, embora seja legal em Portugal desde 2007 abortar até às dez semanas de gravidez, o tema ainda causa alguma controvérsia na opinião pública, pois, para muitos o aborto é visto como um homicídio, ao passo que para outros deve ser tido em contra como uma liberdade de qualquer mulher. Neste tema a minha opinião é insignificante, quer defenda ou não o aborto, pois, não serei eu a abortar e, por isso, não devo ter voto na matéria, muito menos decidir por uma pessoa se esta deve ou não abortar. Desta forma, qualquer mulher que queira interromper a gravidez deve ser livre de o fazer com o devido acompanhamento médico, sem qualquer influência de outrem.

Quanto à eutanásia, um dos argumentos mais frequentes contra esta é o facto de médicos serem formados para salvar vidas e não para as tirar, mas estará um médico a tirar a vida a alguém que não quer continuar a sofrer dolorosamente e, consequentemente, pretende pôr fim à sua vida? É verdade que médicos devem sim salvar vidas, mas a realidade é que não são obrigados a praticar eutanásia. Da mesma forma que um indivíduo deve ter liberdade para escolher entre a vida e a morte, um profissional de saúde deve ser livre de escolher se quer acompanhar ou não um utente que pretende ser eutanasiado. Já a famosa frase «Não matem os velhinhos» é também alvo de muita discussão, mas só alguém desinformado pode considerar que o investimento nos serviços de saúde ia diminuir por existir uma «saída mais fácil e mais barata» que será a eutanásia. Este é um caso semelhante ao aborto, causando muito debate quando na verdade ninguém deveria ter o poder de decidir o que outra pessoa pode ou não fazer com a sua vida.

Angela Davis não poderia estar mais certa. A liberdade continua a ser uma luta constante para muitos.

Crónica de Rafael Pestana
Rafael Pestana é licenciado em História Moderna e Contemporânea e estudante de mestrado em Estudos Internacionais, com especial interesse em Direitos Humanos e Movimentos Migratórios.

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