Quarentena. Por um punhado de euros

por Rui Cruz,    24 Março, 2020
Quarentena. Por um punhado de euros

Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Pronto, agora é que foi! Eu bem queria ser optimista, ser uma voz da esperança nestes tempos difíceis, um farol no meio desta escuridão que nos cerca, mas temo nada poder fazer quando as notícias são tão horrendas. Pois é, meus queridos, parece que a Padaria Portuguesa não tem dinheiro para pagar aos seus “colaboradores” e corre assim o risco de fechar portas. Digo “colaboradores” porque é assim que o Senhor Sócio Gerente da empresa designa os seus funcionários, aqueles a quem ele gostaria de poder pagar em “espírito de equipa” e restos de Pão de Deus.

Mas é verdade, esta empresa que faz tanta questão de mostrar lucros que aumentam todos os anos e ascendem aos 2 milhões, que se arroga como porta estandarte do empreendedorismo e que, espante-se, defende uma política económica liberal em que o estado devia estar fora da economia e permitir às empresas pagar e fazer o que quisessem, teve um mês mauzito por causa do COVID-19 e, de repente, mudou o discurso e já quer ajuda e subsídios e o rabo lavado com água de rosas porque o papel higiénico faz ferida. É tão engraçado ver os ultraliberais em tempo de crise a agarrarem-se mais ao estado do que as carraças às orelhas do meu canídeo, não é?

Atenção, não estou a dizer que algumas das medidas que o Senhor Sócio Gerente sugeriu na sua carta aberta ao Siza Vieira não fazem sentido, porque fazem, mas ver uma empresa que até há um mês dizia transpirar saúde financeira tão aflita faz-me pensar que aquelas contas devem ter sido feitas à empreiteiro dos anos 80, num guardanapo sujo das nódoas de tinto do almoço. A diferença é que o tinto que manchava este guardanapo era um Château Petrus que foi pago com cartão de crédito.

Quero dizer também que eu não sou propriamente um empresário, nem percebo muito destas andanças, mas uma das coisas que li na carta e que me ficou na cabeça foi quando o Senhor Sócio Gerente se queixou da falta de clareza no que toca à lei do lay off simplificado porque está a trabalhar com 3 sociedades de advogados e nenhuma das 3 se entende. Ora bem… como disse, eu não percebo muito destas coisas, mas tenho para mim que 3 sociedades de advogados são 2 a mais do que o necessário e que, se calhar, o dinheiro que se poupava com o “despedimento” de duas delas era bem capaz de pagar metade dos “colaboradores” que estão em vias de perder o seu salário mínimo. É só uma ideia que dou de borla, pelo “espírito de equipa”.

Bom, seja como for, espero que tudo se resolva e que a Padaria Portuguesa não vá à falência. É que se for, o Zé Diogo Quintela vai ter de voltar a tempo inteiro à comédia e às crónicas e se eu quisesse ouvir, de duas em duas semanas, que o aquecimento global não é real ia ver a minha avó ao lar mais vezes. Não que ela ache que o aquecimento global não é real, mas como tem Alzheimer também diz muita parvoíce.

E aqui ficam as sugestões para o dia.

Comédia:

Rob McElhenney, Glenn Howerton, Charlie Day – It’s Always Sunny In Philadelphia

Música:

Connan Mockasin – Forever Dolphin Love

Cinema:

Woody Allen – Midnight in Paris

Literatura:

Amilcar Monteiro – Não Se Brinca Com Coisas Sérias

 

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