Quarentena. Teorias da constipação

por Rui Cruz,    29 Março, 2020
Quarentena. Teorias da constipação
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Se há coisa que me tem acontecido nos últimos dias, para além de dar por mim a apertar o meu gato quase até lhe partir as costelas, como se fosse uma criança com necessidades educativas especiais com muito amor para dar, mas sem noção da força que tem, esta é receber várias mensagens de familiares a perguntarem-me se tenho alguma ideia de quando vamos poder voltar a ter uma vida e rotina mais ou menos normal. Sinceramente, não percebo porque mo perguntam a mim que não só não tenho qualquer curso ligado a medicina como até desmaio sempre que vejo sangue, mas fazem-no. Além disso, para mim, a quarentena já é ter uma vida e uma rotina mais ou menos normal. Na verdade, a única coisa que mudou foi voltar a beber em casa em vez de cambalear na rua e desinfectar coisas com a cadência de autista com OCD, fora isso pouco mais.

No entanto, tenho a minha opinião, como tenho sobre tudo. Acho que a retoma de uma rotina mais normal para a maioria das pessoas está para breve, se não nos portarmos mal e comermos a sopa toda. Porquê? Porque a circulação de uma vacina vai demorar aproximadamente 18 meses e até lá vai ser impossível manter toda a gente em casa, até porque a economia não aguenta. Então, e porque não vamos poder estar em casa 18 meses, o que acho que se vai passar é que, em breve, alguns grupos de pessoas que correm menor risco de morte vão poder sair de maneira controlada, até porque até a vacina sair a única maneira de podermos ter uma vida mais ou menos normal é criar aquilo que se chama herd immunity, o que significa que vai haver um pico de infectados, mas ao mesmo tempo vamos criar resistência ao vírus. E é por isso que, por enquanto, devemos ficar em casa e também é por isso que penso que as medidas do governo no que toca a garantir o respeito da quarentena têm endurecido, porque ainda não temos os meios necessários para fazer frente a este pico de propagação do vírus, mas estamos a caminhar para lá.

A construção de hospitais de campanha um pouco por todos o país, de Ponte de Lima a Arganil, de Lisboa à Maia, e o investimento em ventiladores e na manufactura de material médico de protecção por empresas têxteis nacionais são, na minha opinião, o governo a preparar-se para esta nova fase de combate e de controlo do vírus. “Ai é, então porque é que esta nova fase não é anunciada pelo governo?”, perguntam vocês. Bom, porque somos portugueses e porque se o governo anunciasse que daqui a pouco tempo havia pessoal a poder sair de casa, nós íamos ouvir “já posso sair de casa” e entrar nesta fase antes de existirem os meios necessários para isto ser feito com o menor número possível de baixas e tornar isto um caos, daí, lá está, o pulso firme que as forças de autoridade têm tido nestes últimos dias, como os road blocks na ponte 25 de Abril ou os drones nas praias do Norte.

Mas pronto, isto é apenas a minha opinião e teoria sem qualquer base factual que apoie. “ Ai é? Então porque é a que a estás a dar assim e aqui?”, perguntam vocês novamente com uma prepotência que até se justifica. Bom, na realidade, para ver se a minha família me deixa em paz no whatsapp e se posso continuar apenas a receber fotos do negão da piroca nos mil grupos de conversa que tenho com os gebos dos meus amigos. É que abrir o telemóvel e levar com uma pila pelos olhos adentro eu aguento, já ler mensagens com erros ortográficos e em caps lock do meu primo de Lamego é coisa que só aceito no Natal.

E aqui ficam as sugestão do dia:

Comédia:

Hugo Sousa – Fora de Contexto

Música:

Paradise Lost – Medusa

Cinema:

Sam Raimi – Evil Dead 2: Dead By Dawn

Literatura:

Miguel Torga – Bichos

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