Quarentena. Tudo para a rua que hoje é festa!
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Pronto, então hoje é um daqueles dias, não é? Um gajo não pode estar afastado da TV ou das notícias 24 horas que parece que o mundo fica chateado e faz birra e mete tudo a acontecer ao mesmo tempo, só para te lixar. Pois é, começamos por onde? Hum… Talvez por aquela chico-espertice que é tão tipicamente portuguesa que ainda hoje me espanta como não tem representação na bandeira.
Ontem, a DGS veio dizer que é possível que Portugal já esteja a passar o pico de contágio. No entanto, o que é que milhares de portugueses ouviram? “Festaaaa! Todos para a rua dançar o limbo! Páscoa is on, bitches! Festaaaa!”. Isto um dia vai ter de ser explicado de alguma forma, a maneira totalmente idiota como reagimos a boas notícias enquanto povo e como conseguimos estragar tudo com isso. Será genética? Será cultural? Será castigo divino por termos inventado o Vira do Minho? Não sei, sei é que sempre foi assim. Já no tempo dos descobrimentos! Quando o pau-brasil deixou de render, as rotas comercias com a Índia estavam uma miséria e se começava a pensar em planos estratégicos para a economia, pimba!, descobre-se ouro no Brasil e “festaaaa! Planos?! Temos ouro, para que é que precisamos de planos? Vamos mas é comprar tudo o que tem classe aos italianos, comer, beber e apanhar sífilis e depois logo se vê! Festaaaa!”. No euro 2004 o mesmo. “Chegámos à final, estamos a jogar em casa e calha-nos a… Grécia?! Festaaaa! Ahahaha! Já está no papo! Campeões, campeões, nós somos campeões! Festaaaa! ”. No meio da pandemia… “o quê, já passou o pico? Festaaaa! Antónia, pega nos miúdos, na perna de cabrito e nas pranchas de surf, vamos todos passar a Páscoa à casa dos meus avós ao Algarve! Deixa ficar as máscaras que aquilo nem sequer dá jeito para beber sangria! Festaaaa!”. Correu sempre tão bem… Isto para não falar nos gebos que, mesmo sem terem ouvido as declarações da DGS, quiseram jogar em antecipação de chico-espertice e atafulhar o carro rumo ao interior, antes da proibição de sair do concelho da área de residência entrar em vigor. Ai não, brincas… Pensavas que mandavas nisto, Costa? Quer dizer, os romanos, que vieram com exércitos e sandálias de influencer, viram-se lixados e perceberam logo que somos gajos “que não se governam nem se deixam governar” e vens tu agora, de fato e óculos à nerd, dar ordens a este povo de génios? ‘Tá bem, abelha… que se lixe a quarentena quando há vinho na adega do meu primo de Gouveia.
Mas não é só por cá que coisas bonitas acontecem. Nos EUA, onde isto do COVID-19 parece que não está famoso, vimos Trump a dizer que vai pensar se o país continua a suportar a Organização Mundial de Saúde. Giro. E porquê? Porque segundo o Donald, a OMS falhou em tudo, é Chino-Centrica e, ainda por cima, criticou a sua decisão de proibir viagens para impedir o vírus. O que se esquece de dizer aqui o Littlefinger é que as viagens ficaram abertas ao UK porque… amigo do Boris e apoio político. Resultados? Óptimos, como se pode ver pelo número de infectados dos dois países. E mais! Ele não foi criticado por proibir viagens, foi dito apenas que isso não resolvia o problema, mas isso são factos e factos só interessam aos choninhas. Atenção, não estou a dizer com isto que a OMS esteve sempre bem no que toca ao combate a este vírus, porque tenho as minhas dúvidas, no entanto, ameaçar uma organização como esta no meio de uma pandemia é de um timing muito semelhante ao da malta que investiu em Betamax.Mas o que me chateia é que cheira-me que isto, mais do que romper relações ou do que um desacordo no que toca a métodos de combate à pandemia, é uma pressão para algo que os EUA querem ver feito ou aprovado, o que normalmente só costuma ser bom para eles, e, ao mesmo tempo, para preparar, com uma desculpa válida para os seus eleitores, o corte de vários milhões no financiamento à OMS que ele já ia dar este ano. E o pior é que é capaz de conseguir.
Por fim, ainda temos a desistência do Bernie Sanders da corrida à Casa Branca. Outra vez, Bernie? Assim não dá, pá… É que eu começo a olhar para ti e em vez de ver o político que admiro e que revolucionou o financiamento de campanha, aceitando apenas doações de anónimos em vez de ir atrás dos grandes grupos económicos e milionários, começo a ver o Sporting! Já é a segunda vez seguida que me metes a dizer “este ano é que é” para depois me deixares na mão e eu não estou habituado a isso. O que é que vem a seguir, contratares o Shikabala para director de imagem? O pior é que com isto nem me vai apetecer ver os debates das presidenciais americanas. Trump vs Biden? Dois gajos meio senis, que falam alto e que têm acusações de assédio sexual? Para isso não preciso de ligar a TV, basta apanhar boleia com um dos chicos-espertos que está a sair e vou passar a Páscoa à terra.
Aqui ficam as sugestões do dia.
Comédia:
Bill Burr – Breaking Bad
Música:
Belle Chase Hotel – Fossanova
Cinema:
Tim Burton – Big Fish
Literatura:
Pedro Paixão – A Noiva Judia