Quem tem medo da violência policial?
Um agente da PSP matou Odair Moniz, um cidadão de 43 anos, com dois tiros. Este acontecimento desencadeou uma onda de protestos no Bairro do Zambujal, de onde a vítima era moradora, e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, tendo sido queimados carros, caixotes de lixo e autocarros. A partir daqui a PSP e a GNR foram chamadas aos locais para travar – como lhe têm chamado – a vaga de violência dos últimos dias.
O líder do partido de extrema-direita, André Ventura, disse nas suas declarações que a polícia tem de agir sem medo. Tolerância zero à violência. Carlos Moedas, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, seguiu-lhe o passo, tendo defendido reforço policial e um aumento de esquadras, caso fosse necessário, assumindo ainda que as pessoas não desejam violência. Outros deputados e outros comentadores – nas televisões, nos jornais e nas redes sociais – seguiram a linha de pensamento do líder do partido de extrema-direita. Definem uns acontecimentos como violência, mas outros não.Mentem e criam desculpas para tentar justificar a violência de um agente através da sua idade, da sua inexperiência e da sua família, mas evitam fazer uma reflexão profunda sobre a revolta das populações mais marginalizadas que não têm visto os seus direitos assegurados. Apelam à ordem e paz, abominam a violência dos protestos, mas não responsabilizam o sistema que a iniciou.
Exigem que se pare a violência, mas por que razão não dão o primeiro passo? É que nos últimos anos temos verificado um aumento de casos de violência policial. Em 2015, seis jovens da Cova da Moura foram agredidos e sequestrados por polícias da Esquadra de Alfragide. Em 2020, Cláudia Simões foi gravemente espancada por um agente da PSP. Em 2022, Rubens Gabriel Prates, um jovem de 18 anos, foi algemado por seis agentes e foi vítima de agressões e insultos racistas. Houve denúncias de diversos jornalistas e manifestantes atacados em manifestações pacíficas e, em 2024, somos obrigados a incluir nesta lista o triste caso de Odair Moniz, que acabou morto por um agente da PSP.
Casos infelizmente não faltam. Aliás, segundo o Público, em 2023, a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) recebeu 1.436 denúncias contra abusos policiais, um número semelhante ao ano anterior, tendo sido a PSP a força de segurança com o número de queixas mais elevado.
Pedro Manuel Gouveia, diretor nacional da PSP em substituição, em relação ao caso da morte de Odair, referiu que a Polícia de Segurança Pública, e cito, “conjuntamente com as restantes entidades, estará e permanecerá na rua garantindo que as pessoas de bem têm a sua tranquilidade assegurada e que a ordem pública regressa”.
Ou seja, dentro do sistema capitalista é a mercadoria e o dinheiro que dão valor ao sujeito. É a submissão a este sistema decrépito e à sua lógica de produção que define quem é sujeito na sociedade, as tais “pessoas de bem”. Quem se opuser a esta lógica, quem questionar o mal funcionamento do sistema, quem não obedecer ou quem simplesmente estiver à margem torna-se um inimigo e tem de ser combatido.
A violência do sistema está entre nós, sendo legitimada e visível e acontece quando certos grupos são marginalizados, discriminados e mal tratados. A estas vítimas é exigido que aceitem a violência de estado em silêncio. Podem suplicar por justiça, igualdade e Direitos Humanos, mas continuarão a ser alvo de mais violência policial e a ver as suas vidas destruídas. A revolta é a flor que rebenta deste sistema.
Aconselho as seguintes leituras: Prefácio de “O Dogma da Não-Violência”, de Rolando D’Alessandro, escrito por Diogo Duarte; “A Sociedade Autofágica: Capitalismo, Desmesura e Autodestruição”, de Anselm Jappe; “Os Condenados da Terra”, de Frantz Fanon.