Quem tem medo de Stephen Sondheim?

por Pedro Saavedra,    3 Dezembro, 2021
Quem tem medo de Stephen Sondheim?
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Sondheim morreu mas não está morto. Há pessoas que são capazes dessa dupla existência ou desse duplo plano. Num mundo em que cada vez valorizamos efeito sobre causa, isso não é de somenos. Nascido Stephen Joshua Sondheim em 1930, numa Nova Iorque muito diferente de hoje, foi desde cedo introspectivo e isolado do mundo. Poderemos sempre ligar isso à relação que tinha com a mãe que o substitui pelo pai, quando este partiu, mas isso da dramatulogia do trauma já demasiada água fez correr debaixo da ponte.

Mas a vida lembra-se sempre dos encontros porque dos desencontros temos sempre maneira de os minorar na memória. O primeiro grande encontro de Sondheim foi com Oscar Hammerstein que acabaria por ser o seu mentor após Sondheim lhe mostrar o seu primeiro sucesso, um musical escrito por ele e levado à cena na sua escola. Chamava-se By George e Oscar leu-o sem saber que o jovem que tinha à sua frente era o seu autor, assim disse-lhe que era o pior musical que já tinha lido! Mas ofereceu-se para lhe dizer porque era tão mau. Sondheim lembrava essa tarde como o dia em que mais aprendeu sobre escrever canções e teatro musical, mais do que muitos poderiam aprender numa vida inteira. Sondheim tinha apenas dez anos neste primeiro encontro.

É curioso que como mentor, Oscar não lhe tenha negado nem conhecimento nem exigência, forçando-o até a exercícios simples como escrever musicais baseados numa peça que admirasse, numa peça que admirasse mas que tivesse defeitos, numa novela ou conto nunca dramatizado e numa história original. O esforço recompensou e, apesar de nenhum desses exercícios ter criado uma obra-prima para a humanidade, nelas Sondheim pode ouvir, um a um, os defeitos que Oscar lhe encontrava.

O seu segundo grande encontro foi com Robert Barrow, professor do Williams College. Pelas suas próprias palavras Sondheim diz que Barrow o fez perceber que a sua visão romântica sobre a arte era um disparate, porque até aí sempre sentira que um anjo deveria descer sobre ele e suspirar-lhe ao ouvido uma melodia. Nunca lhe tinha ocorrido que a arte dava trabalho, que tinha de encontrar a nota principal, a escala e se Barrow o podia fazer, ele também o faria. Como desabafa em “Desconstructing Sondheim“ de Stephen Schiff: “Pensas que é talento, pensas que nasceste com essa coisa. O que eu descobri e o que eu acredito é que toda a gente é talentosa, só que algumas pessoas desenvolvem isso e outras não.”

Parece que apesar de ser descrito como alguém extremamente introvertido e solitário, Stephen Sondheim não guardou para si os seus encontros e os seus sucessos como West Side Story ou o óscar da academia que ganhou por uma canção sua interpretada por Madonna. Sondheim foi aprendiz e mestre. Transmissor de conhecimentos dos que, antes de si, foram grandes conhecedores para os que, depois de si, já o são agora também. O caso mais conhecido é o de Lin-Manuel Miranda, que tanto fez pela história contemporânea americana com o seu controverso musical sobre a história de Alexander Hamilton, um dos fundadores dos Estados Unidos da América.

Há até a história sobre um colega que esmagado pela crítica foi aconselhado publicamente por Sondheim a insistir. Más críticas haverão sempre mas a vontade de nos levantarmos do chão e continuar é que conta. “Não penses mais nisso e escreve já a tua próxima peça.” Parece que disse. Lembro-me agora da produção do Teatro Aberto que levou ao palco uma versão bastante próxima da original de Sweeney Todd de Sondheim, em que tanto ali, no corpo do actor Mário Redondo, meu irmão de armas em tantas coisas, ou no corpo de Johnny Depp na versão cinematográfica de Tim Burton faziam tanto sentido ontem como hoje.

Sondheim começou há muito tempo, no final dos anos cinquenta perto da mesma altura em que Edward Albee estava a ser levado à cena com a famosa Who’s Afraid of Virginia Woolf? Em que Martha e George tentam convencer um jovem casal, Nick and Honey, da amargura das relações e da inevitabilidade do cinismo e do desamor e desapego pelas nossas paixões de juventude através de uma corruptela da Disney: Who’s Afraid of Virginia Woolf? Virginia Woolf? Virginia Woolf? O mundo não mudou, a missão mantém-se e a única certeza é que vamos sempre ter saudades de criadores como Stephen Sondheim.





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