Reconquistar a Liberdade, pela Saúde Mental

por Henrique Prata Ribeiro,    25 Abril, 2021
Reconquistar a Liberdade, pela Saúde Mental
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Com o ano que vivemos e com as limitações que ainda existem às nossas liberdades e ao que gostamos de considerar que é o nosso dia a dia, torna-se inevitável tocar o tema da COVID-19. Simbolicamente, esta crónica é escrita e será publicada no dia 25 de Abril de 2021.

Quando a COVID-19 chegou a Portugal, decidi, com uma equipa, estudar o impacto que o distanciamento físico poderia ter na Saúde Mental das pessoas. O nosso estudo avaliou sintomas de depressão, ansiedade e insónia em adultos, durante o primeiro estado de emergência, através do preenchimento on-line de escalas validadas para o efeito. Os nossos resultados estiveram em linha com o que estava a ser concluído a nível nacional e internacional: as mulheres, os adultos jovens — em particular os estudantes — os desempregados, as pessoas que já sofriam de perturbações psiquiátricas e as que já se encontravam medicadas com psicofármacos, apresentavam resultados piores nas escalas. Outra questão relevante, quer com base no nosso estudo, quer noutros, é a de que trabalhar parecia ter um efeito protector — em teletrabalho ou presencialmente, os níveis de sintomas eram mais baixos naqueles que mantinham actividade profissional. Ainda dentro dos nossos resultados, chamou-nos a atenção o facto de, do grupo de pessoas que nunca haviam sido acompanhadas em psiquiatria nem tomavam quaisquer psicofármacos, metade apresentar um nível de sintomas ansiosos compatível com, pelo menos, uma perturbação de ansiedade ligeira; cerca de um terço apresentar níveis de sintomas de insónia compatíveis com, pelo menos, insónia ligeira; cerca de um quarto apresentar níveis de sintomas depressivos compatíveis com, pelo menos, depressão ligeira (ainda que as escalas não permitam fazer diagnósticos definitivos, que são feitos através de observação clínica e estes resultados sejam apenas indicativos).
Outros estudos, no mesmo período, reportavam resultados similares noutras populações e alguns debruçaram-se sobre questões diferentes, como o impacto de uma casa com um jardim/terraço que permitisse a frequência de espaço exterior – que não surpreendentemente, parecia ter efeito protector; a diferença entre os meios urbanos e os meios rurais — com as pessoas a residir em meios rurais a reportar um nível mais elevado de sintomas; a identificação de outros factores protectores, como o exercício físico.

Sucedeu-se a estes primeiros resultados um confinamento prolongado, com um afastamento constante dos amigos e da família. O stress inicial tornou-se crónico e passámos a ler com frequência a expressão “fadiga pandémica”, que se refere ao cansaço que a necessidade de um alerta constante e uma vida com restrições nos traz. Esse stress constante tem impacto não só social, mas fisiológico e a manutenção das circunstâncias que o causaram, fazia com que fosse necessário continuar a estudar os seus impactos na população. 

Ainda que os estudos iniciais tenham sido alarmantes, a verdade é que esse acompanhamento das pessoas ao longo do tempo acabou por trazer boas notícias: das pessoas que apresentaram sintomas inicialmente, a grande maioria, com o prolongar do confinamento, acabou por conseguir adaptar-se e ter, gradualmente, os seus sintomas a reduzir. É um exemplo da capacidade de adaptação que temos enquanto espécie. De todas as pessoas que apresentaram sintomas psicológicos nalgum momento, apenas uma pequena percentagem irá progredir destes sintomas para perturbações psiquiátricas. Para além disto, pelo menos nos países desenvolvidos, não há evidência de que tenha havido um aumento dos casos de suicídio. Isto é importantíssimo. 

Quanto às pessoas que foram infectadas pelo SARS-COV-2 e se encontram recuperadas, sabemos agora que uma em cada três irá desenvolver um diagnóstico neurológico ou psiquiátrico nos seis meses seguintes, o que é superior em termos de impacto ao que é observado para outras infecções respiratórias como a influenza. Quanto mais grave a infecção, maior a probabilidade de aparecimento destas perturbações, o que reforça o papel da inflamação cerebral no desenvolvimento das perturbações psiquiátricas.

O facto de toda a gente haver passado pelo mesmo em simultâneo, de uma forma tão transversal a toda a sociedade, criou a verdadeira oportunidade para que se discuta a Saúde Mental. Essa discussão, no imediato, vai levar a que as pessoas estejam mais à vontade para procurar ajuda profissional e para abordar estas questões de saúde com os que lhes são próximos. A longo prazo, vai levar à procura de informação, à quebra de estigma e à compreensão por parte do poder político de que a Saúde Mental é cronicamente subfinanciada e que tem de ser tornada uma prioridade — pode ser o tiro de partida para a efectiva implementação do Programa Nacional para a Saúde Mental. 

Nota: Esta crónica não substitui a leitura dos artigos científicos publicados na área. Nalguns casos, opta-se por uma simplificação dos resultados para permitir uma leitura fluída. Para além do estudo em que participei, os estudos nacionais dos quais se extraiu informação são os das equipas do Pedro Morgado e do Mauro Paulino. Há informação retirada de vários estudos internacionais, sendo o mais relevante um estudo retrospectivo publicado na revista The Lancet.

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