Reportagem. Dez jovens que dão voz à ciência em Portugal
São mulheres, jovens, e dão voz à ciência nas redes sociais. Conseguem levá-la a pessoas e a públicos de diversas idades de forma acessível e cativante, utilizando vídeos simples, posts criativos, humor e até mesmo alguma da sua arte, esclarecendo quem as segue e quem as vai seguindo. Num país onde a ciência continua a ser marginalizada, com investigadores em situações precárias e com falta de orçamento para projectos de investigação, a igualdade de género na ciência em Portugal é um factor positivo reconhecido além-fronteiras. Numa altura em que o mundo se encontra cada vez mais dependente dos meios digitais, onde a redes sociais imperam, mas onde a desinformação se propaga a velocidades nunca antes vistas, elas souberam aproveitar essa maré para comunicar e divulgar ciência de uma forma criativa, esclarecendo o público em geral, desde o mais leigo ao mais informado que acaba sempre por ter dúvidas a esclarecer.
Reunimos 10 projetos de comunicação de ciência feitos por algumas destas comunicadoras que nos mostraram um pouco de si e do que vai muito para além das suas páginas de comunicação nas redes sociais. Todas com backgrounds, experiências e áreas de formação diferentes, mas todas trabalham em prol de um bem comum: a comunicação de ciência e a partilha de conhecimento com a sociedade em geral. Muitas mantêm ainda uma actividade de investigação científica, e consolidam-na com a actividade de comunicação de ciência que lhes rouba tempo mas que lhes dá gosto. Outras já mantêm a sua actividade de comunicação e divulgação a tempo inteiro, embora seja desafiante consolidar com actividade independente das suas páginas. Cada uma usa um nickname simples e apelativo, com um conteúdo científico por detrás, que se torna muito mais do que um simples alter ego. À semelhança de Clark Kent e Super Homem ou de Bruce Wayne e Batman, acabam por adoptar um nome específico que as torna quase super-heroínas da ciência, que é precisamente aquilo que acabam por ser.
Andreia Pinho (@sciencewave__)
A Andreia é um exemplo de como se consegue fazer comunicação de ciência inspirada na arte. Como nos conta, o seu percurso profissional foi sempre em torno destas duas componentes. “Esta controvérsia começou cedo, no secundário, quando queria seguir pelo curso de artes e fui influenciada pela família a seguir Ciências e Tecnologias. No entanto, mesmo estudando ciências durante o dia decidi fazer um curso de fotografia à noite, participei em vários concursos e cheguei a ter uma das minhas composições fotográficas na revista O mundo da fotografia.” Hoje, a Andreia faz parte da equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud, estando responsável pela comunicação e eventos associados ao Programa de Investigação em Cancro da Mama.

Foi durante o curso de Ciências e Tecnologias que conheceu a sua professora de Biologia, que mudou todo o meu percurso daí para a frente. “Ela pedia-nos que mantivéssemos um portefólio organizado, o que fez com que aplicasse arte à Biologia e foi assim que essa disciplina se tornou a minha favorita. Por este motivo, o próximo passo foi a licenciatura em Bioquímica, que se seguiu com mestrado em Ciências da Saúde. Quando terminou o mestrado as indecisões voltaram a surgir. Candidatei-me ao mestrado de Comunicação de Ciência e ao Doutoramento em Ciências da Saúde e acabou por entrar nos dois. “Ainda ponderei fazer ambos mas recebi o sábio conselho de fazer o doutoramento enquanto explorava projetos de comunicação de ciência”.
Foi então no seu doutoramento em Ciências da Saúde, mais focado em Neuroimunologia, que criou o Instagram Science Wave, o podcast Ciência no Feminino, escreveu para o Jornal Observador e Público e participou em projetos como Cartas com Ciência e Pint of Science, dinamizou vários workshops e seminários, e participou em vários eventos de comunicação de ciência. “Foi assim que percebi que este era o caminho que queria seguir e, ainda no final do doutoramento, candidatei-me ao Communications Trainee na EMBL [European Molecular Biology Laboratory]. Este trainee foi, para mim, a ponte entre a carreira de laboratório e de comunicação.”
Quando decidiu criar uma conta de Instagram de comunicação de ciência, a Andreia queria muito que fosse profissional mas com um toque pessoal, e sabia que isso tinha que começar pelo nome. “Pessoalmente tenho uma ligação muito forte com o mar, é onde me acalmo e onde me reconecto. Sempre que olho o mar vejo o meu estado de espírito em espelho com as ondas: umas vezes mais calmas, outras mais agitadas, umas vezes mais fortes, outras mais plenas… Assim surgiu a palavra wave de onda que, quando se uniu a science de ciência fez todo o sentido. Quero que esta conta de Instagram seja como uma onda de ciência que chega ao meu público alvo de forma leve, forte e constante, que transmita confiança e esperança.”
Quando a Andreia se apercebeu de que as pessoas que a seguiam sabiam o seu nome e enviavam mensagens com dúvidas ou a pedir conselhos, apercebeu-se também de que a Science Wave tem de facto esta vertente pessoal. “Acho que o facto de comunicar de forma simples e direta, mostrar muitas vezes a minha cara e partilhar o meu percurso faz com que as pessoas se identifiquem e sintam à vontade de falar comigo facilmente. Além desta vertente, sempre tive muito cuidado com a parte visual do perfil, desde a paleta de cores utilizada nos stories à edição do conteúdo nos posts. Isto fez com que o perfil seja muito característico e agradável de se fazer scroll, e os seguidores associam facilmente os posts à minha conta.”, o que vem também a demonstrar as vertentes artística e científica da página da Andreia. Durante o seu percurso utilizou o Instagram e o Podcast porque são as plataformas que se alinham mais com a sua forma de ser e comunicar, através da fotografia e da conversa. “O Instagram permite-me explorar a fotografia e a parte visual enquanto que o Podcast permitiu-me expor as conversas que tinha por detrás desses posts.”
Joana Wilton (@primatasdebata)
A Joana é licenciada em Bioquímica, mestre em Biotecnologia, pós-graduada em Microbiologia e doutorada em Biologia Básica e Aplicada. Ao juntar à sua vasta formação que conjuga Biologia com Química, tem também formação em comunicação de ciência, tecnologia e sociedade (ISEG), 2 anos de formação em canto e uma formação intensiva em marketing e empreendedorismo pelo AWE Portugal, uma academia da embaixada dos EUA (AWE Portugal). Esteve cinco anos em bolsas de investigação, seis meses no Inov Contacto (Instituto de Salud Carlos III em Madrid) e fez o doutoramento no i3S com uma passagem de seis meses pela Universidade de Oxford. Esteve mais de dois anos numa spin-off clínica do i3S (i3S Diagnostics, parte conciliando com o final do doutoramento) e atualmente está há dois anos e meio numa posição de consultoria técnica e científica numa empresa fornecedora de investigação, sendo também responsável pela contratação pública.

O interesse da Joana pela ciência sugiu quando quis “aprender como tudo funciona, do universo ao átomo passando pelo corpo humano”, mas também envolve uma componente mais pessoal, como nos conta. “Estar doente é uma alteração ao funcionamento normal. Pessoas da minha família estiveram doentes na minha infância e adolescência e eu queria poder perceber o que se passava com elas e tentar contribuir para minimizar ou eliminar o seu sofrimento”. Daí ter estado envolvida em eventos de outreach desde 2008 e sempre foi algo que conciliou, tanto quanto possível, com o que estivesse a fazer na altura. “Criei o nome do projecto, na versão Primatas de Bata e não a atual, em 2018, e comecei a escrever textos um ano antes de o lançar, que foi no dia 11 de fevereiro de 2023, dia das Meninas e Mulheres na Ciência.”
Para a Joana, “Os cientistas são “primatas de bata”, pessoas imperfeitas e com idiossincrasias. O projeto começou por mostrar quem faz a ciência, porque assim há vários ângulos, razões, missões que fazem sentido a pessoas diferentes.” A confusão do nome da página, Primatas de Bata com Prima ‘Tás de Bata tem um propósito, “O trocadilho com a Prima é porque sou a prima mais velha da família e os mais novos perguntavam “Prima, porque é que é assim?”. Quero ser a cientista amigável do bairro e este nome que adoptei fazia sentido com a minha história pessoal.” A Joana usa o Instagram, onde o contacta com as pessoas de maneira informal e consegue explorar a atualidade e usar conteúdos multimédia, e está a começar a usar o LinkedIn com maior frequência, “Em ciência não somos muito educados para nos vendermos, razão pela qual não tenho investido tanto nesta segunda, mas diria que a vantagem é contextualizar o trabalho para uma audiência mais pragmática e com mais atenção às aplicações da ciência.”
Após tantos anos em investigação, seguindo sempre os mesmos protocolos, a Joana acaba sempre por fazer coisas diferentes, seja no seu dia-a-dia, seja no seu trabalho como comunicadora de ciência que não se resume apenas ao conteúdo da sua página. Escreveu ainda uma crónica no jornal Público por ocasião do Dia Nacional dos Cientistas, e foi convidada para o podcast Somos Todos Malucos do António Raminhos, para falar de desinformação, porque, tal como refere, “Os maiores desafios são enfrentar pessoas a desinformar com tração infinitamente mais alta que os comunicadores de ciência”.
Carla Lourenço (@lourenco.etal)
A Carla é licenciada e mestre em Biologia Marinha pela Universidade do Algarve e doutorou-se depois na mesma área pela Rhodes University, na África do Sul. Depois de redescobrir uma espécie de mexilhão que se pensava extinta da costa portuguesa desde o final do século XIX, percorreu o sul da Península Ibérica, Marrocos e o Saara Ocidental para compreender como as espécies marinhas respondem às alterações climáticas. A certa altura, fez uma mudança de direcção no percurso científico tradicional e enveredou pela comunicação de ciência, algo que terá tido influência com a sua experiencia anterior em teatro. Como comunicadora de ciência, foca-se em criar pontes que aproximem a sociedade da comunidade científica, tudo com uma pitada de humor. Passou pelo Pavilhão do Conhecimento, onde esteve 5 anos como programadora científica e, ao longo da sua carreira já organizou mais de 40 eventos científicos, mais de 100 palestras, a sua audiência ao vivo já ultrapassou as 45 mil pessoas.

Defensora do oceano, conservacionista premiada (Terre de Femmes 2017), a Carla nasceu aos 354 ppm [partes por milhão], número esse que corresponde ao seu ano de nascimento no que toca à concentração de CO2 na atmosfera (hoje está acima dos 430 ppm!), e é fascinada pelo ambiente rochoso entre-marés desde os 2 anos de idade. Em 2023, juntou-se à Coral Research & Development Accelerator Platform (CORDAP) como Especialista em Comunicação, e hoje como líder do departamento de Comunicação trabalha orgulhosamente ao lado de centenas de cientistas que procuram salvar os corais de uma fatídica extinção. Quando a contactámos pela primeira vez, estava a acompanhar a expedição de uma equipa focada na conservação de corais, desde ajudá-los a reproduzir e a misturar os genótipos, a aplicar antibióticos para doenças sem cura que estão a dizimar os recifes nas Caraíbas.
O seu interesse pela ciência terá surgido desde muito cedo. “Comecei a explorar as poças rochosas dos ambientes entre-marés do litoral Alentejano com apenas 2 anos. A minha fotografia mais antiga mostra-me de cócoras por entre as rochas e a areia, a olhar para a câmara com o ar inquisitivo. E é precisamente essa posição que assumo de cada vez que volto a uma praia rochosa, a de uma criança curiosa com os olhos de quem vê o mundo pela primeira vez. Quando terminei a licenciatura em Biologia Marinha, sabia que queria levar as pessoas às poças rochosas. Não imaginava, porém, fazer o percurso inverso: levar o intertidal às pessoas a partir do meu telemóvel.” A Carla explica-nos a origem do seu nickname, Lourenço et al. de forma explícita para quem não é cientista. “Et al. é uma abreviatura da expressão latina et alia que significa “e outros”. No contexto académico utilizamos o último nome do primeiro autor, Lourenço, no meu caso, seguido de et al. para deixar implícito que há outros autores.”, procurando mostrar outros tantos com quem se cruza e que, de uma forma ou de outra, fazem parte também da sua página.
Como nos conta, a sua página “pretende desconstruir a tecnicalidade científica que tantas vezes dificulta o aproximar do comum mortal da ciência. Há que dizer isto sem medo que de uma forma geral apenas uma reduzida fatia de cientistas consegue comunicar a sua ciência de forma tão brilhante quanto os resultados que obtém em laboratório ou no campo. Muitas vezes não sabem, outras vezes não gostam, não têm tempo, ou não é a prioridade. Por isso, insisto em servir de ponte, para que o conhecimento científico regresse às nossas ruas e faça parte das nossas conversas diárias.” Quando começou a produzir conteúdos para as redes sociais, em 2016, usava o Youtube e o Facebook, mas adaptou-se ao avanço dos tempos. “Já passaram anos desde que rescrevi algumas músicas do cancioneiro português e as adaptei ao meio marinho. “Sobe, sobe, balão sobe” falava de como os balões são uma ameaça para as aves marinhas – ainda é possível encontrar esta interpretação nos confins da internet.” Mais tarde migrou para o Instagram onde se mantém muito activa e onde tem um público mais generalizado e, principalmente desde 2024, escreve e cria também conteúdos para o LinkedIn.
Rute Pereira (@amazingchemist)
A Rute fez a maior parte da sua formação académica na Universidade de Aveiro, onde se licenciou em Química, com Menor em Ciência dos Materiais. Fez dois anos de voluntariado em investigação, partindo para o Mestrado em Materiais e Dispositivos Biomédicos, e por fim o Doutoramento em Nanociências e Nanotecnologia. Em 2023 foi aceite para ingressar na EJR-Quartz, uma empresa de comunicação de ciência sediada nos Países Baixos que fornece serviços a instituições científicas de renome, como a Agência Espacial Europeia, onde ainda hoje se encontra a trabalhar. Para a Rute, o seu interesse pela ciência tem que ver com o objectivo de entender a vida e o mundo ao seu redor. “Sempre tive uma mente muito curiosa e uma sede de conhecimento muito grande. Química surgiu de forma muito natural, ao observar as disciplinas que mais gostava de estudar.” Em 2018, criou a página Amazing Chemist no Instagram, um projeto que já estava na sua mente há alguns anos, mas que não saía daí. O objetivo da página é “trazer a ciência de forma acessível para todos” uma missão que é concretizada “através da produção de conteúdos digitais científicos, mas também do apoio que posso dar a outros comunicadores de ciência e cientistas que queiram comunicar ciência em meios digitais.“

Na sua opinião, todas as páginas de comunicação de ciência são diferentes, e é essa a beleza desta área. “Chegamos a pessoas diferentes, pois somos pessoas diferentes a comunicar em estilos diferentes. Uma página não vai agradar a todos, mas várias já conseguem fazê-lo. Considero a Amazing Chemist uma marca séria mas empática, pode não ser a página mais divertida, mas será certamente uma das páginas mais empáticas e que procura ajudar genuinamente as pessoas. Prezo muito pela qualidade visual dos meus conteúdos e sou muito exigente em tudo o que publico.” Embora o nome do seu projecto possa parecer pouco humilde, guarda uma história por detrás. “Surgiu como uma piada entre amigos no autocarro para casa, nos tempos do ensino secundário. Tinha aparecido o Instagram e estávamos todos a criar as nossas contas com nomes ingleses “engraçados”. Uma das minhas melhores amigas tinha colocado o apelido dela em inglês e eu nem sabia muito bem o que colocar. Quando lhes disse que tinha escolhido Química, disseram-me “you’re going to be an amazing chemist”. Eu ri bastante e adorei a expressão, então resolvi adotar.”
A Rute enfrentou vários desafios, entre os quais concluir o meu Doutoramento quando já trabalhava a tempo inteiro na EJR-Quartz para a Agência Espacial Europeia. “Conciliar um trabalho de alta responsabilidade, enquanto emigrante, com um doutoramento por terminar, foi muito duro. Principalmente porque, durante essa fase, também tinha uma situação familiar bastante delicada.” Mas também outros pontos positivos surgiram como entrar para a equipa de redes sociais da Agência Espacial Europeia, um sonho aparentemente inalcançável que se tornou realidade. “Ainda hoje acho meio surreal pertencer a esta equipa incrível e incansável. Aprendo muito com eles e sou muito fã dos meus colegas de trabalho.” Hoje em dia a Amazing Chemist já é uma marca registada, cujo objetivo é dar formações na área da comunicação de ciência bem como mentorias e consultorias a quem pretender ajuda neste tema. A página está focada no Instagram, mas a Rute também marca presença no LinkedIn e vai recorrendo ao TikTok de forma a chegar aos diferentes públicos.
Ana Rita Silva (@astrophd.rita)
A Ana Rita tem 27 anos, é scalabitana de gema, e completou a licenciatura em Astrofísica na Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, em 2020, onde aprendeu a utilizar telescópios, tendo-se envolvido nas suas primeiras aventuras de comunicação de ciência. Estagiou em investigação no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (Porto) e na Universidade Técnica de Chalmers (Suécia), tendo depois ingressado no Doutoramento em Astronomia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Actualmente trabalha como Assistente de Gestão de Projeto na Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, onde planeia eventos que dão palco às mais diversas áreas científicas.

Desde muito cedo a Ana Rita demonstrou inclinações científicas, “Era muito curiosa sobre como funcionava o mundo e era frequente transformar o nosso jardim num laboratório de experiências. Tive também o incrível privilégio dos meus pais me levarem a muitos museus e exposições de ciência enquanto criança. À medida que cresci, solidifiquei a vontade de ser cientista. Nunca me foi posto entrave nem senti pressão familiar para seguir outra área que não me enchesse as medidas científicas. Inicialmente estava atraída pela química, mas depois de participar na Universidade Júnior no Planetário do Porto – Centro Ciência Viva, mudei de ideias e decidi seguir Astronomia.”
A sua evolução de cientista para comunicadora de ciência foi lenta, mas, segundo a própria, consistente. “Começou na licenciatura ao participar nas Noites Abertas do Observatório de Bayfordbury. Mais tarde recheei o meu doutoramento de atividades de comunicação. Desde 2022, dediquei-me especialmente ao meu projeto de Instagram, onde mostrava os bastidores do mundo da investigação, com foco em transmitir tudo de modo transparente. Eventualmente caiu a ficha de que eu preferia aprender e comunicar a informação científica e o seu processo de descoberta, do que ser eu própria a investigadora, e aceitei a mudança.” O seu nickname, AstroPhDRita, foi uma escolha baseada em eficiência. “Foi o conjunto de caracteres mais pequeno que encontrei para transmitir o máximo de informação sobre o meu perfil: sou da área de astronomia, estou a fazer um doutoramento, e o meu nome é Rita, muito gosto.”, embora a própria não descarte fazer um rebranding no futuro.
A sua página distingue-se pelo facto de retratar de forma clara e transparente como é o mundo da investigação em astronomia, incluindo momentos que são pouco conhecidos do público como as missões para observar nos grandes Observatórios Astronómicos que há no Chile. “É um nicho digital pouco explorado, as aventuras da carreira de astrónomo/astrofísico, ainda para mais comunicado sempre em português e inglês. No fundo, o meu percurso académico confere credibilidade quando explico conceitos científicos ou partilho a minha opinião acerca de notícias polémicas no mundo online. O público procura a opinião dos peritos, mas muitas vezes esta não é fácil de compreender. Ter um pezinho em cada lado, um no observatório e outro no Instagram, é provavelmente o que mais me distinguiu até agora.” Apesar de a Ana Rita partilhar o seu conteúdo no Instagram, por ser a rede social que melhor conhece e que chega a pessoas mais novas e também da sua geração, gostava de se dedicar no futuro a outras redes, como por exemplo o YouTube que já utilizou para documentar as viagens aos observatórios astronómicos no Chile.
Ana Marta Capaz (@estereotaxico)
A Ana Marta é licenciada em Bioquímica na Universidade de Lisboa e mestre em Biologia Celular e Molecular, com especialização em Neurobiologia na Universidade de Coimbra, tendo passado pelo Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra e pelo Centro Champalimaud, em Lisboa, no primeiro ano. No segundo ano fez o seu projeto de tese no Neurocentre Magendie, em Bordéus, trabalhou um ano como bolseira de investigação no Instituto Italiano di Tecnologia, em Génova, e fez o seu doutoramento em Neurociência, no Paris Brain Institute, que está associado à Universidade Sorbonne, tendo defendido a sua tese muito recentemente. A neurociência de sistemas e comportamento foi sempre a sua área, “Estudei ansiedade, discriminação emocional, e agora estou a estudar diferenças inter-individuais. A minha pergunta geral é porque é que indivíduos geneticamente semelhantes que crescem no mesmo ambiente desenvolvem padrões de comportamento diferentes. Em particular, utilizo o comportamento de “nesting” (construção de ninhos) em murganhos como modelo.”

O interesse pela ciência veio desde muito cedo, “Sempre fui muito curiosa, e quando descobri o que é a Ciência apaixonei-me. Na “idade dos porquês” as crianças fazem perguntas científicas! Lembro-me à medida que ia aprendendo porque é que o céu é azul, ou como funciona o sistema digestivo, pensar que o trabalho das pessoas que descobrem as respostas a estas perguntas é o mais incrível! Quando entrei para a faculdade, percebi que foi a escolha certa.” Em Março de 2020, no primeiro lockdown do COVID, a Ana Marta estava em Bordéus a fazer a sua tese de mestrado e a forma como passou a encarar a ciência mudou drasticamente. “De um dia para o outro o instituto fechou sem data para reabrir, e percebi que não iria poder fazer mais experiências até ao final do ano letivo. Voltei para Portugal e fiquei a escrever a tese. No contacto com a minha família e amigos que não são cientistas, apercebi-me de forma muito clara da falta de conhecimento que o público leigo tem em relação ao que os cientistas fazem realmente e como funciona o seu método, como no caso das vacinas, por exemplo.”
A Ana Marta acabou por ganhar ainda mais experiência através do seu projecto de comunicação de ciência. “É uma página de Instagram e uma newsletter onde partilho conteúdo sobre o mundo académico, a ligação da ciência à sociedade, e a minha experiência como estudante e investigadora.” O nome Estereotáxico refere-se ao instrumento utilizado para fazer cirurgias ao cérebro, “Eu queria um nome curto relacionado com o imaginário do laboratório, e ao pensar em todos os objetos com que trabalho, achei Estereotáxico original! Este instrumento usa um sistema de coordenadas espaciais, tendo como referência um ponto do crânio chamado Bregma. Existe um atlas do cérebro, que funciona como um mapa, e que os neurocientistas usam quando precisam de fazer uma injeção ou um implante numa zona do específica. Em analogia, no estereotáxico instrumento, o centro é o Bregma, e todas as zonas do cérebro são encontradas a partir deste ponto de referência, e no Estereotáxico projeto de comunicação, o centro é a Ciência, e todo o conteúdo é criado a partir deste ponto de referência. Daí o slogan: A Ciência no centro.”
O projecto tem tido bastante sucesso não só nas redes sociais, mas também a nível do reconhecimento de trabalho de comunicação de ciência, pois a Ana Marta já foi convidada para diversos eventos da área. Neste momento, utiliza apenas o Instagram e escreve uma newsletter no Substack, “Gosto principalmente de comunicar visualmente, misturando imagem com texto, e o Instagram é a melhor plataforma para este formato. Também tenho muito prazer em escrever em formato mais longo, por isso comecei a newsletter. Esta, no entanto, é menos frequente.”
Catarina Loureiro (@estoriascomciencia)
A Catarina licenciou-se em Geologia na Universidade do Minho e fez o Mestrado em Património Geológico e Geoconservação. Desde 2010 que trabalha na área da comunicação de ciência e ensino não formal da ciência. Trabalhou em instituições públicas e em empresas privadas e, nos últimos anos, no seu próprio projeto, o Estórias com Ciência. O seu interesse pela ciência começou desde muito cedo. “Quando temos 6 ou 7 anos, a ideia que fazemos de um cientista é muitas vezes aquela imagem meio caricata dos desenhos animados, um senhor de bata branca, cabelo em pé, rodeado de tubos de ensaio. Mas eu sabia que eram pessoas com uma enorme curiosidade e que sabiam muitas coisas sobre o mundo, e isso fascinava-me. Depois, no 7.º ano, a minha professora de Ciências desse ano tinha uma paixão enorme por geologia. Um dia levou para a sala um conjunto de amostras de rochas para explorarmos na aula. Lembro-me de as amostras passarem de mão em mão… até que uma chegou até mim. Era uma rocha escura, máfica. Observei-a com atenção: vi brilhos diferentes, reparei que tinha vários minerais. E, de repente, senti uma curiosidade imensa: queria saber o que era cada um daqueles minerais, como tinham ali ido parar, qual era a história daquela rocha.” Foi nesse preciso momento que a Catarina decidiu que queria ser geóloga.

A sua vertente de comunicadora de ciência terá começado durante o seu mestrado, quando estava a trabalhar no Geoparque Naturtejo, na zona de Castelo Branco. “Trabalhava nos programas educativos do geoparque, em contacto direto com o público e quase sempre ao ar livre, em plena Natureza. Foi aí que nasceu a minha paixão pela comunicação de ciência.” Conta-nos que “a determinada altura do meu percurso decidi inscrever-me num clube de public speaking, os Toastmasters, grupos de pessoas que se reúnem semanalmente para treinar competências de comunicação oral. Comecei a brincar com o storytelling, especialmente storytelling aplicado à ciência.” Acabou também por experimentar várias plataformas, primeiro com um blog, depois migrou para o Instagram numa altura em que a plataforma ainda estava muito centrada na imagem. “Para mim, foi um desafio criativo. Queria tentar comunicar ciência de forma simples e interessante, num espaço que não era pensado para textos. E assim nasceu o Estórias com Ciência.”
O objectivo da sua página é simples, “Fazer as pessoas gostar da Natureza, compreenderem a sua importância e sentirem vontade de a preservar. Acredito profundamente que a literacia, o conhecimento, é a chave para resolver quase todos os problemas do mundo: a desinformação, a destruição do planeta, o extremismo… Tudo começa por não sabermos o suficiente, por não compreendermos verdadeiramente o que nos rodeia.” A rede social que mais utiliza é o Instagram, pois é onde se sente mais confortável, onde consegue usar melhor a sua voz e explorar a sua criatividade. Mas a Catarina faz também por chegar aos públicos de todas as idades: “Tenho tentado uma incursão pelo TikTok, mas confesso que me sinto um pouco fora de água com o estilo e linguagem. Sei também que uma parte da minha audiência, especialmente professoras um pouco mais velhas, ainda está bastante presente no Facebook, por isso continuo por lá. Se a desinformação está em todo o lado, a informação também tem de estar. Acredito que as redes sociais são uma plataforma fantástica para o nosso trabalho.” Isso reflete-se no facto de a Estorias com Ciência ser já uma voz audível, “A internet é enorme e há imenso ruído. Há imensa gente a comunicar, a partilhar, a dizer coisas, e nós, comunicadores de ciência, temos um compromisso para com a informação baseada em evidência, para com a “verdade” que muitas vezes dificulta o nosso caminho. A minha maior conquista é o facto de conseguir viver disto, de comunicar ciência e natureza, e de conseguir ganhar a vida a fazer algo em que acredito profundamente. Num país pequeno, onde as oportunidades não são muitas nesta área, é algo que vejo como um enorme privilégio.”
Cátia Santos (@socorrosoucientista)
A Cátia é doutorada em Biologia pela Universidade de Ghent (2018), com especialização em ecotoxicologia, em particular na ecotoxicologia de aves, e participou em vários projetos nacionais e europeus onde apresentou trabalhos em várias conferências internacionais, publicando diversos artigos na área. Apesar do seu caminho apontar para uma carreira académica, a falta de previsibilidade no financiamento e nas oportunidades em Ciência em Portugal levou-a a explorar outras áreas. “Em 2019 troquei a investigação por aulas de Ciências no 1.º Ciclo e, entre 2020 e 2023, trabalhei como investigadora no Observatório Nacional da Luta Contra a Pobreza, promovido pela EAPN Portugal, cuja missão é monitorizar e analisar os fenómenos da pobreza e exclusão social em Portugal. Desde 2023, iniciei um novo percurso na consultoria e análise de dados, estando atualmente a consolidar a minha transição para a área da Ciência de Dados.”

Desde pequena, a Cátia teve uma enorme curiosidade pelo mundo natural: “Aos 6 anos já acompanhava na televisão os programas do Sir David Attenborough e sonhava em ser exploradora da BBC. Aos 11/12 anos passava horas no site da NASA a acompanhar os programas espaciais. Estive muito perto de escolher Física na Universidade, mas no secundário tive uma professora de Biologia extraordinária que me inspirou a escolher Biologia.” Durante o seu doutoramento nasceu paixão pela comunicação de ciência. “O tema do meu trabalho, o impacto da contaminação por mercúrio na gaivota-d’asa-escura, era muito aplicado e nem sempre fácil de explicar ao público em geral. Isso despertou em mim a vontade de encontrar formas mais claras e acessíveis de comunicar. A partir daí, participei em várias iniciativas de divulgação científica, desde atividades para crianças ao concurso FameLab, no qual fui finalista em 2017.”
Como nos conta, “Vivemos um período na história da ciência paradoxal: por um lado, alcançámos avanços científicos extraordinários e a profissão de cientista é reconhecida; por outro, o início do século XXI trouxe uma disrupção abrupta neste processo. Os movimentos de negacionismo da ciência e descredibilização do trabalho dos cientistas são cada vez mais acentuados.” Quando criou a página, no início de 2020, deparou-se de um retrocesso obscurantista nestas conquistas. “Nunca foi tão ingrato querer ser cientista. Foi esse o mote que me inspirou para o nome que é, literalmente, Socorro! Sou cientista. A página tem como missão comunicar ciência de forma simples, acessível e descontraída, mas também dar visibilidade às dificuldades vividas por investigadores. “Em Portugal temos cientistas extraordinários e altamente qualificados, mas com poucos recursos e condições de trabalho precárias. A maioria continua a depender de bolsas de investigação, com regime de exclusividade e sem garantias de proteção social. Quando a bolsa termina, muitos ficam sem qualquer segurança laboral ou acesso a subsídio de desemprego, deixando estes profissionais no limbo . Alguns conseguem contratos, mas muitas vezes só após décadas a tentar. Este sistema é insustentável, ingrato e desmotivador, e falar sobre isto também é parte essencial da missão da página.”
A diversidade dos conteúdos é um dos pontos chave da página da Cátia. “Embora a minha formação seja em Biologia, não gosto de me limitar a uma só área e partilho curiosidades de Astronomia, Química, Matemática e muitas outras áreas da ciência.” A exigência de concluir um doutoramento e o desgaste da incerteza na investigação fizeram com que a Cátia optasse por explorar novas áreas, nunca perdendo a sua paixão pela ciência, o que é bem notório no Socorro! Sou cientista. A página da Cátia está presente no Instagram, Facebook e no Spotify onde tem um podcast, “Atualmente, é no Spotify, através do meu podcast, que tenho investido mais tempo, pois é o formato onde sinto que consigo aprofundar melhor os conteúdos.”
Cristiana Vilela (@mao.na.consciencia)
A Cristiana tem 26 anos é formada em Bioquímica, mestre em Bioquímica em Saúde com especialização em Bioquímica Clínica e Metabólica e está neste momento a fazer o seu doutoramento em Biotecnologia Avançada. A sua investigação foca-se no eixo intestino-cérebro, explorando a relação entre a doença de Parkinson, microbioma e obesidade. Apesar de ser uma jovem com um início bastante promissor como investigadora, o percurso da Cristiana foi marcado pela incerteza do que queria fazer. “Sempre gostei de muitas coisas diferentes, mas era péssima a físico-química e simplesmente não entendia como as coisas funcionavam. Tudo mudou depois do 10.º ano, acabei esse ano com uma nota péssima a Física e Química, e foi quando uma conhecida da minha mãe, de forma voluntária, me deu explicações durante as férias. Foi como se o meu cérebro tivesse dado um clique, comecei a gostar imenso de química. Mais tarde, o percurso ganhou ainda mais significado, descobri que o meu avô tinha Parkinson e, a partir daí, tudo se alinhou. Desde então, tenho seguido esse caminho com a vontade de contribuir, de alguma forma, para ajudar pessoas que se encontram na mesma situação.”

O seu caminho na comunicação de ciência começou em fevereiro de 2023 quando estava na sua tese de mestrado. “Sempre que explicava às pessoas o que fazia, percebia que estas não entendiam bem. Notei também que a palavra “cientista” assusta muita gente, como se fosse algo distante ou incompreensível. Foi aí que nasceu a vontade de mostrar que a ciência está presente em tudo o que fazemos no dia a dia e que, afinal, não é nenhum “bicho de sete cabeças”. Escolheu o nome Mão na (cons)Ciência porque a página tem dois propósitos, “Por um lado, mostrar a quem não é da área que tudo à nossa volta é ciência, e por outro, consciencializar sobre temas importantes, como a desinformação científica, que infelizmente circula muito atualmente. O nome reflete essa ideia: ao mesmo tempo que “metemos a mão na ciência”, aprendendo de forma simples e prática, também a colocamos na consciência, tornando-nos mais críticos e informados.”
O objetivo da sua página é o mesmo desde que ainda era só uma ideia no papel, “Mostrar às pessoas que a ciência não é um bicho de sete cabeças e que, na verdade, está presente em tudo o que fazemos. Sempre gostei de explicar ciência às pessoas mais próximas, e percebi que a ciência só cumpre o seu papel quando é comunicada à sociedade. Além disso, outro grande desafio atual é o combate à desinformação científica, que se espalha rapidamente, muitas vezes com consequências sérias na saúde pública e na tomada de decisões.” O maior desafio da sua página é traduzir ciência complexa para uma linguagem acessível a todos. “Muitos conceitos científicos são técnicos e exigem formação específica, e se não forem bem comunicados, corremos o risco de gerar desinteresse ou até desinformação. É fundamental encontrar formas de simplificar sem distorcer a informação.” Isso reflete-se no impacto real do seu trabalho onde a própria vê pessoas que não têm formação científica interessarem-se, fazerem perguntas e partilharem os seus conteúdos. O projecto da Cristiana está disponível no Instagram, mas também no TikTok e no Facebook, pois pretende que a ciência chegue a públicos de todas as idades. “Para mim, comunicar ciência é isso mesmo: adaptar a mensagem para diferentes públicos”
Marta Curado Avelar (@data.from.mars)
A Marta tem 28 anos e, segundo a própria, é “movida pelo amor à Biologia e à Física”. É licenciada e mestre em Engenharia Biológica pelo Instituto Superior Técnico e desde pequena é fascinada pela imunologia e a oncobiologia, áreas que a levaram a fazer a tese de Mestrado em Imunologia no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, tendo passado os dois anos seguintes como investigadora em oncobiologia na Fundação Champalimaud. Em Novembro de 2023, deixou a investigação para seguir uma outra paixão: a comunicação de ciência, e desde Abril de 2024 é editora de observação da Terra pela EJR-Quartz para a Agência Espacial Europeia (ESA).

No final de 2023 deparou-se com uma encruzilhada, “Adorava o projeto em que estava a trabalhar, dava-me muito bem com os meus colegas e com a minha orientadora, uma das pessoas mais incríveis que conheci em investigação, mas sentia uma espécie de inquietação. Talvez por saber que não teria grande progressão de carreira na investigação, a menos que fizesse um doutoramento. Depois de muitas candidaturas falhadas, soube que a ESA estava à procura de um editor em língua inglesa para a área de observação da Terra. Achei que não tinha nada a perder, candidatei-me e cá estou eu, a fazer comunicação de ciência a nível profissional e pessoal.”
Inicialmente, a sua página de comunicação estava mais focada nas ciências biológicas, por ser a realidade em que se encontrava. Mas, pouco depois de começar a trabalhar para a EJR-Quartz e para a ESA, percebeu que já não fazia sentido e virou a minha página para a área espacial e para o seu trabalho. “Depois de alguns dias a pensar no assunto, lembrei-me de uma das minhas alcunhas de secundário, Mars, que em português é Marte, um dos planetas do nosso sistema solar. Foi por aí que começou a ligação ao espaço. Na mitologia romana, Marte é o deus da guerra, e fez-me sentido, de um ponto de vista mais poético, porque uma das minhas missões é o combate (guerra) contra a desinformação. É também o pai mitológico de Rómulo e Remo, fundadores da cidade de Roma, a região onde se encontra o instituto da ESA para o qual trabalho. O data from significa que é informação (dados) fidedigna que dou a quem me vê, para que possa fazer escolhas mais conscientes para a sua vida.” Daí, o nome da sua página, Data From Mars.
No seu trabalho na ESA, descobriu que muita gente associa a investigação feita no espaço só à exploração de outros planetas ou galáxias quando também temos algo aqui bem mais perto: a própria Terra. “É giro ver a reação das pessoas quando lhes explico que os dados de satélite podem ser usados, por exemplo, para ajudar equipas de resposta rápida no seguimento de desastres naturais ou para ajudar agricultores a gerirem as suas plantações. Mas mais do que divulgar projetos de investigação incríveis ou explicar conceitos, o meu objetivo é fazer com que a minha audiência possa desenvolver o seu pensamento crítico. É algo que envolve uma prática consciente: olhar para conteúdo, seja ele na forma de texto, imagem ou vídeo, e ter a capacidade de perceber se o conteúdo nos traz emoções fortes, muitas vezes associadas à desinformação, estar atento a simplificações e dicotomias exageradas, verificar fontes e por último, mas não menos importante, olhar para nós próprios e perceber os vieses que condicionam a forma como percecionamos o conteúdo que vemos.” Podemos encontrar o trabalho da Marta no Instagram e também no Medium. O seu projecto é bastante recente, mas tem vindo a crescer, ganhando cada vez mais seguidores.
Projectos diferentes. Muita cooperação. Zero competição.
Todas estas páginas são geridas por pessoas com backgrounds diferentes, e com estratégias de comunicação diferentes. No entanto, é de salientar o estilo amigável e cooperativo que todas estas comunicadoras têm entre si. São capazes de partilhar o conteúdo de uma outra colega e também de promover outras páginas de comunicação de ciência que venham, entretanto, a surgir. O curioso é que boa parte das comunicadoras achou piada à questão da inexistência de competitividade porque foi algo que nunca surgiu sequer no seu imaginário.
Para a Rute (@amazingchemist) a questão da competição nem se coloca, “Acho que o facto de termos sido um pequeno grupo inicialmente também ajudou bastante a que não se criasse esse ambiente de competição. Preferimos amplificar o sucesso umas das outras, não diminuir.” A Joana (@primatasdebata) considera que existem diversos factores, “Somos especialistas em áreas diferentes. Quem esteve na investigação e viveu a escassez de recursos e ajuda, agora quer cultivar um ambiente bem melhor. As oportunidades criam-se na sinergia e não são um jogo de soma zero. Não somos milionárias, toda a gente está a trabalhar por amor à camisola, ajudar o próximo com o que temos de mais valioso: o conhecimento”. Da mesma opinião é a Andreia (@sciencewave__), “Todas sabemos onde nos encaixar e sabemos que há espaço para todas, ainda mais quando colaboramos! Somos todas comunicadoras de ciências únicas e estamos cá para aprender e ensinar umas com as outras com o mesmo objetivo: levar a ciência ao público e esse objetivo será cumprido mais eficazmente se não o fizermos sozinhas.”
Para a Carla (@lourenco.etal) o segredo está no combate à desinformação, fake news e pseudociência, qualquer que seja a área ou formação. “Isso talvez nos aproxime mais do que as nossas diferenças nos afastam. Da biologia à medicina, da astronomia à cosmética e à nutrição, sem esquecer muitas outras áreas, todos os dias vários milhares de pessoas em Portugal são expostas à desinformação.” Salienta também o papel dos cientistas no seu argumento “A ciência é, no seu âmago, profundamente amigável e cooperativa. Nada se faz sem respeito, ajuda e colaboração. Lembremo-nos que, muito antes de nós, já Charles Darwin e Alfred Wallace se correspondiam e partilhavam das mesmas ideias (r)evolucionárias. Estamos, definitivamente, de pé sobre os ombros de gigantes.”, salientando também que uma eventual competição entre comunicadoras de ciência “não acarreta obrigatoriamente um peso negativo.”
Quando se colocou esta questão à Ana Marta (@esterotaxico), ela achou piada. “Não tenho bem a certeza porquê, diria que é por uma questão de paixão. A maior parte dos cientistas são pessoas apaixonadas pelo que fazem, e a ciência é por definição uma atividade de comunidade, de partilha de conhecimento. Diria que os cientistas que se tornam comunicadores são ainda uma seleção dos mais apaixonados e motivados. Mais projetos de comunicação significam, em princípio, a ciência chegar a mais pessoas, que é o objetivo de todos nós, por isso só temos motivos para nos apoiarmos mutuamente!” Para a Cátia (@socorrosoucientista), “O segredo está no respeito mútuo pelo trabalho de cada uma e na vontade comum de combater a desinformação científica. A ciência é vasta e cada comunicadora acaba por abordar temas e áreas diferentes, sem que haja sobreposição. Mantemos contacto regular: partilhamos preocupações, damos feedback, trocamos ideias e também rimos juntas dos desafios do dia-a-dia. Temos até um canal conjunto com comunicadoras e comunicadores de ciência, onde circulam notícias, sugestões e experiências. Esse espaço de partilha contribui para um espírito de cooperação saudável e enriquecedor.”
A Ana Rita (@astrophd.rita) conta-nos que existe um motivo para isso, “Combater a desinformação e fomentar o pensamento crítico, tornando o mundo da investigação mais transparente e acessível. Devemos lembrar-nos que não estamos umas contra as outras, mas sim que somos nós contra “eles” (sendo “eles” todos aqueles que espalham informação errada, potencialmente perigosa, e sem qualquer evidência científica). Já é difícil que baste espalhar conhecimento científico complexo e incentivar o pensamento crítico neste mundo que procura respostas rápidas e simples.” No caso da Cristiana (@mao.na.consciencia), foi descobrindo muitos perfis de comunicadoras de ciência, quando entrou nesta área, “Acho incrível essa diversidade. Uma pessoa pode preferir a forma de comunicar de alguém e gostar menos de outra, e isso é natural. No final do dia, todas temos o mesmo objetivo: divulgar ciência de forma acessível e com rigor. Por isso, faz sentido o que fazemos diariamente, que é apoiarmo-nos, partilhar conteúdos e até conversar sobre assuntos científicos e não científicos. A cooperação acontece naturalmente, porque estamos todas aqui pelo mesmo bem comum: levar a ciência à sociedade. Competição não faz sentido quando o propósito é maior do que qualquer rivalidade individual.”
A Catarina (@estoriascomciencia) diz-nos que essa competição não existe porque “Existe um grande amor à ciência, à comunicação e um forte sentido de comunidade. Compreendemos que não precisamos de competir, muito pelo contrário, chegamos mais longe quando colaboramos e nos apoiamos mutuamente.” A Marta (@data.from.mars) é também da mesma opinião, “Acho que tivemos muita sorte em juntar personalidades tão afáveis e que se dão tão bem. Mas o mais importante aqui é a forma como colocamos os egos de parte e percebemos que a comunicação de ciência não é sobre nós. Nós não nos podemos dar ao luxo de perder tempo com competições que não fazem sentido nenhum, quando há uma missão mais importante: comunicar ciência de forma ética e responsável e impedir a propagação da desinformação. É uma missão bastante ambiciosa, mas confio que juntas conseguimos.”
O futuro dos projectos de comunicação
Existe um enorme desafio destes projectos se reinventarem e de acompanharem o avançar dos tempos, num mundo com mudanças cada vez mais rápidas e onde a ciência vai ganhando cada vez mais inimigos, algo que, apesar de ser obscurantista nos tempos que correm, só vem comprovar o sucesso da própria ciência. Cada uma das páginas procura adicionar sempre novas estratégias de comunicação, o que nem sempre é fácil, até porque é um desafio viver exclusivamente de um projecto de comunicação embora seja possível em alguns casos.
A Andreia (@sciencewave__) conta-nos que o seu projecto está em transição, “Comecei como cientista e agora continuarei como comunicadora de ciência. Se até aqui levei ciência como uma onda, a partir daqui planeio transmitir como é que esta onda se constrói: quero comunicar sobre o que é comunicação de ciência”. A Joana (@primatasdebata) mostra desejo de tornar o seu projecto como algo mais sério e menos como um hobbie, “Gostava de profissionalizar o projeto, trabalhar com instituições e entregar mais produtos, por exemplo um podcast ou formação avançada”. A Rute (@amazingchemist) vê de forma bastante positiva a continuidade da sua página, “Quero continuar a ajudar e ensinar pessoas. Acho que a minha vocação é exatamente essa! Costumo dizer que se impactar de forma positiva uma vida, já valeu a pena!” A Catarina (@estoriascomciencia), que já vive do projecto a tempo inteiro, conta-nos que não faz grandes planos e que a única certeza que tem é a de querer continuar a comunicar e a inspirar pessoas pelo gosto pela natureza, “Vou-me deixando levar, e até agora as coisas têm acontecido sempre por acaso, mas não tem corrido mal.”.
A Carla (@lourenco.etal) diz-nos que não tem medo do futuro do seu projecto e que este “Continuará a ser um laboratório a céu aberto, onde há espaço para fazer perguntas, para experimentar, e para errar porque é tão importante errar!”, prometendo também a evolução da sua página com o avanço dos tempos “Nascerão novas rubricas e outras cairão em desuso, e surgirão, certamente, novas colaborações e expedições. É ficar para ver.” A Ana Rita (@astrophd.rita) considerou esta uma pergunta para um milhão de euros, “Estou num momento de transição muito marcante na minha vida. Prestes a terminar o doutoramento, já a trabalhar na Ciência Viva. Depois de defender a tese de doutoramento, pretendo retomar a atividade nesta página, que tem estado parada nestes meses. Dá-me genuína felicidade comunicar com esta comunidade online e sentir que a informação chega a pessoas que de outra forma não teriam tanta exposição a esta área maravilhosa.”
Para a Cátia (@socorrosoucientista) o seu principal foco na página é o seu podcast. “Nas últimas semanas tenho estado bastante envolvida na preparação dos temas que quero abordar nos próximos episódios. Outra ambição é começar a escrever crónicas. Gosto muito deste registo e já tenho alguns rascunhos com ideias e temas que gostaria de desenvolver. No entanto, o tempo nem sempre chega para tudo e, por isso, tenho acabado por protelar esse projeto.” A Cristiana (@mao.na.consciencia) pretende que a sua página continue a aproximar pessoas de forma simples, acessível e humana. “Quero que os conteúdos que partilho não sejam apenas informação, mas pontes que despertem curiosidade, reflexão e um sentimento de inclusão, que cada pessoa perceba que a ciência também faz parte da sua vida. Mais do que números ou métricas, o meu maior objetivo é criar ligações reais entre a ciência e a sociedade. Acredito que a comunicação científica tem o poder de transformar perceções, estimular pensamento crítico e, de certa forma, tornar a sociedade mais consciente. E é exatamente isso que quero fazer, inspirar interesse e curiosidade, mostrando que ciência é feita por todos e para todos.” A Marta (@data.from.mars) está mais focada em fazer crescer o seu projeto e chegar a novas audiências. “Ainda me considero um pouco ‘novata’ na comunicação em redes sociais. Este crescimento passa por fazer formações na área de comunicação de ciência, algo em que estou a investir ainda mais, e experimentar diferentes formas de comunicar.”
Nota final
Contactámos dez projectos de comunicação de ciência feitos nas redes sociais por elementos do sexo feminino que responderam a questões colocadas através de e-mail, havendo uma igual abordagem a todas as entrevistadas. Com isto, não queremos restringir a comunicação de ciência que apenas é feita por mulheres e apenas e só a estas páginas. Existem muitas outras páginas com diferente impacto que podem ser também facilmente encontradas nas redes sociais que vão surgindo, e outras que vão estagnando.
Poderíamos ter esperado pelo dia 11 de Fevereiro, o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, uma data estabelecida pela ONU para celebrar a importância das mulheres na ciência para publicar esta reportagem. Poderíamos ainda esperar pelo dia 8 de Março, dia internacional da mulher, ou ainda pelo dia 24 de Novembro, Dia Nacional Para a Cultura Científica. Porém, achámos por bem aproveitar o mês de Outubro, mês esse onde são entregues os Prémios Nobel que são os mais importantes prémios de áreas científicas como Física, Química, Fisiologia ou Medicina, para enaltecer o papel das mulheres na ciência que tem sido absolutamente notório, mas que continua a ser bastante eclipsado pela sociedade em si.
Não deixa de ser curioso que a primeira pessoa a ser galardoada com dois destes prémios em áreas distintas foi mesmo Marie Curie (Física em 1908 e Química em 1911). Contudo, tal não fora suficiente para enaltecer o papel das mulheres na ciência ao longo de toda a sua história. Apesar de todos os progressos feitos na igualdade de género, ainda há um longo caminho a percorrer. Desde 1901 que, até hoje, na categoria da Física só houve cinco mulheres galardoadas, na Química oito, e na Fisiologia ou Medicina treze, números muito curtos que não representam o importante papel que muitas mulheres tiveram e continuam a ter na ciência. Nomes como Rosalind Franklin, que descobriu a estrutura do DNA através de difracção de raio-x (o prémio ficou para Francis Crick e James Watson), Jocelyn Bell-Burnell que descobriu os pulsares que valeram o prémio Nobel da Física ao seu orientador de doutoramento, Lise Meitner que teve um papel importante na Física Nuclear, cujo Prémio foi atribuído ao seu sobrinho Otto Hahn, ficaram de fora, apesar do papel importantíssimo destas mulheres na sua área de investigação.
Pelo mundo, são vários os investigadores de vários países que usam redes sociais para comunicar ciência. Em Portugal, temos a sorte de ter diferentes géneros a fazê-lo, mas em particular existe um grupo bastante sólido no feminino que chega facilmente a diferentes pessoas pelas redes sociais em que se encontram. É certo que a Comunicação de Ciência não tem Nobel, mas se tivesse, estas jovens que apresentamos seriam, certamente, fortes candidatas a recebê-lo. Pelo modo como mostram um pouco do seu mundo a cada um de nós todos os dias, pelos esforços no combate à desinformação de forma simples e apelativa, por nos mostrarem um pouco de si e também das outras colegas, havendo uma cooperação e uma motivação genuínas. Conseguem dar voz à ciência em Portugal através das redes sociais, num país pequeno, com menos recursos, onde a ciência é cada vez mais marginalizada mas onde existe um potencial humano extraordinário na investigação e desenvolvimento. E, acima de tudo, permitem que cada um de nós saiba mais sobre ciência amanhã do que sabemos hoje, porque nem todas as heroínas da ciência usam única e exclusivamente bata. E esta é a principal mensagem que pretendemos passar com a presente reportagem.

