Reportagem. Portugueses nos Países Baixos temem políticas anti imigração no pós-Mark Rutte
A invernia habitual de novembro nos Países Baixos trouxe neste ano eleitoral a muitos dos residentes portugueses a perceção de ‘nuvens’ na política, com receios que a saída do “primeiro-ministro simples” Mark Rutte traga políticas anti imigração.
Lá fora, o dia está cinzento e pouco convidativo, mas dentro do Markthal em Roterdão o ambiente é vivo, pela azáfama típica de fim de semana e pelas cores deste amplo mercado com cerca de 100 bancas de comida. Uma dessas bancas é a churrascaria de Sandrina, de 42 anos, que já vive há 30 nos Países Baixos.
Antes de viver em Roterdão, Sandrina viveu em Haia, onde está a sede do parlamento neerlandês, e era aí que muitas vezes via o primeiro-ministro, Mark Rutte, “uma pessoa muito simples”, com “uma maneira muito acessível de falar com o povo”, e quem encontrava “muitas vezes a andar de bicicleta”, como conta à Lusa, a propósito das eleições da próxima quarta-feira.
A poucos dias de os Países Baixos porem fim aos 13 anos de liderança do primeiro-ministro com maior longevidade da história neerlandesa, Mark Rutte, Sandrina diz à Lusa que, “no princípio, o povo gostava muito dele”, mas depois de escândalos como os relacionados com prestações sociais, política agrícola e climática e, mais recentemente, migratória “já estava na hora de ele sair”.
A comerciante compara que, ao contrário do que acontece em Portugal, a campanha política “não é muito visível” nos Países Baixos, sendo mais marcada por debates televisivos. Pelo Markthal ainda só viu um candidato, o do Partido pela Liberdade (extrema-direita e anti-imigração), Geert Wilders, que “não gosta lá muito dos estrangeiros”.
Apesar de 15 partidos políticos se apresentarem ao sufrágio, a emigrante portuguesa considera que “os próprios partidos não sabem como resolver problemas” como o da habitação e o da crise e, por essa razão, “as pessoas ainda não sabem em quem votar e vão decidir à última hora”.
Pedro e Laura são dois trabalhadores-estudantes portugueses na Holanda, de respetivamente 19 e 20 anos, que ajudam Sandrina no negócio da churrascaria e também num de pastelaria, igualmente localizado no mercado.
Como não têm televisão em casa, os jovens corroboram que “não se vê muita” campanha, mas confidenciam que este é um assunto que falam com os seus amigos holandeses, que ainda “estão muito indecisos”.
Numa altura em que se estima uma escassez de 390 mil casas no país, Pedro diz à Lusa que a habitação é um dos principais problemas falados, pelos receios de “nunca conseguir comprar uma casa” e de se ser “arrendatário perpétuo”.
Já Laura confirma que o período eleitoral “é muito mais visível em Portugal” e que, nos Países Baixos, os candidatos “não interagem muito”.
A trabalhar na loja de sanduíches da família, na banca ao lado, está Nídia, de 25 anos, filha de cabo-verdianos e que emigrou ainda criança para o país.
A jovem compara que, nos Países Baixos, “há mais oportunidades de trabalho” e que, mesmo que os preços em geral tinham “subido muito”, diz ainda manter a ambição de ter casa própria, algo que “nunca conseguiria” em Portugal, pelos baixos salários e elevados valores do imobiliário.
Mas Nídia garante que, além da questão económica, na Holanda os estrangeiros “são muito mais bem-vindos”, havendo “muitos imigrantes”, um cenário que adianta esperar que não mude após as eleições de quarta-feira, dada a eventual ascensão da extrema-direita.
Receio semelhante manifestou Joaquim, de 50 anos, que está a almoçar com a mulher e a filha num restaurante português na cidade de Schiedam, na área metropolitana de Roterdão, conhecida pela larga comunidade portuguesa.
“Temo que as coisas mudem porque, no meu caso, sou português, tenho uma mulher polaca e a minha filha nasceu na Holanda. Não gostava que [os locais] se virassem contra nós porque a nossa vida é aqui”, confessa Joaquim à Lusa, assegurando que sempre se sentiu “muito bem recebido” no país.
A trabalhar nesse restaurante está Renata, de 24 anos, que diz à Lusa que “gostava muito” de Mark Rutte e que tem “pena” que ele não se recandidate ao cargo, após se ter demitido em julho pelo súbito colapso da sua quarta coligação governamental por divisões internas sobre a política migratória.
Neste fim da era de Rutte, as renhidas sondagens projetam um resultado pouco clarificador, mas Manuel, dono de um café português na mesma rua, indica não esperar “grandes mudanças” independente do vencedor.
Manuel antevê, sim, que se “demore muitos meses” até se formar governo, isto “a não ser que se virem para a extrema-direita”.
Cidade portuária da província neerlandesa do sul, Roterdão é hoje um dos principais destinos para a emigração portuguesa e para imigrantes dos países lusófonos.
Em 2022, entraram 4.533 portugueses nos Países Baixos, num universo de mais de 21 mil residentes no país que nasceram em Portugal, segundo dados do Observatório da Emigração.
A viver desde março em Roterdão, Paulo, consultor político de 31 anos, diz à Lusa que sendo os Países Baixos um dos Estados-membros da União Europeia “que mais contribui e com maior influência no poder de decisão”, estas eleições legislativas “vão ter um efeito bastante significativo” no contexto europeu, em áreas como o combate às alterações climáticas e a gestão migratória.
Já na capital, em Amesterdão, vive Catarina, uma jovem de 35 anos responsável pelas relações com clientes e vendas numa multinacional de cosmética, que revela ter “algum receio relativamente às políticas de imigração pois, ultimamente, este tem sido um tema recorrente”.
As projeções indicam que nenhum dos três principais partidos – o Partido da Liberdade e da Democracia (VVD), a Aliança dos Verdes e do Trabalho (GL-PvdA) e o Novo Contrato Social (NSC) – conseguirá mais de 20% dos votos, obrigando a acordos de coligação com outros dos 14 que se apresentam ao sufrágio, o que pode demorar meses.
Uma das opções é precisamente coligação com a extrema-direita do Partido pela Liberdade.