Ricardo Araújo Pereira e Bruno Nogueira
Não quis escrever apressadamente sobre o “novo” programa do fundador dos Gato Fedorento. Depois não achei que valesse a pena a crítica, afinal existem outros assuntos mais importantes por estes dias do que dizer mal de um programa de televisão. Não irei desenvolver o que penso sobre “Isto é gozar com quem “trabalha” – é um programa igual ao programa que fez anteriormente num outro canal de televisão, mas menos surpreendente por já o termos visto antes.
Ricardo Araújo Pereira é um talento. Difícil duvidar disso. É culto e inteligente. Tem bom gosto. Mas infelizmente cristalizou no que resulta, no que os canais pagam, no que lhe dá dinheiro. Acontece aos melhores. Quando passam a ser milionários – e Ricardo e milionário tendo em conta os rendimentos no nosso país – passam a ter muito mais a perder do que a ganhar. Deixam como por milagre de ser incómodos. Ou a ser os tipos a quem se convida para que diga mal de uma forma que seja tolerável. Ou a pessoa que já não arrisca determinados assuntos com medo de perder audiências, contratos ou por outra coisa qualquer.
Ricardo pode desmentir tudo isto – e espero que o faça. Pode nos próximos anos provar que não é verdade o que alguns vão escrevendo. Voltar a inovar, voltar a inventar personagens. Voltar a surpreender. E deixar de ser tão previsível, a antítese da primeira fase da sua carreira.
Quando me sentei para ver os dois primeiros programas quis muito ser surpreendido. Quis muito gostar. Detesto o princípio, um bocadinho português, de ir para não gostar, de ir para depois criticar. Infelizmente não consegui.
Só escrevi este “postal” para reparar uma injustiça. A injustiça de tantas vezes ouvir que Araújo Pereira é o melhor humorista da sua geração (quero retirar Herman José desta equação). A injustiça de um quase consenso à volta de uma ideia que, sendo subjetiva, por que de gosto, mereceria não ser consensual.
Porque o melhor humorista da sua geração é para mim, e sem discussão, Bruno Nogueira.
Impossível compará-los por esta altura.
Bruno Nogueira arrisca em cada projeto. Arrisca nos formatos, nas plataformas, nas pessoas que convida, no texto, no contínuo evoluir de um personagem (a sua persona) que não é real, mas que também não é ficção. Uma figura paradoxal que parece atrair os opostos. Uma fragilidade (também física) que mistura com uma crua agressividade. Uma arrogância que mistura com generosidade. Uma vontade de ser livre que mistura com a melancolia de a poder perder na próxima curva.
Ouvir e ver Bruno Nogueira todas as noites no Instagram – num formato a que chamou “Como é que o Bicho Mexe?” é um exercício para ele, mas também para nós. Como se fossemos parte ativa dos seus sucessos e da sua hipótese de falhar, cúmplices de um artista de circo sempre próximo de cair na jaula dos leões ou de partir a espinha por não existir rede possível no lugar que nos propõe.
Onde Ricardo Araújo Pereira se defende, Bruno Nogueira arrisca. Onde RAP é conservador, Bruno é revolucionário ou, pelo menos, testa os limites de fazer humor, de comunicar num tempo confinado como este.
Bruno Nogueira não é bem um humorista. Como aliás os maiores humoristas não o são. Quando víamos Buster Keaton ou Chaplin víamos um abismo nos seus olhos. Quando vemos Ricky Gervais apercebemo-nos dessa mesma imensidão, uma espécie de tragédia a que estão condenados (apesar de todas as gargalhadas) os verdadeiros palhaços a quem ninguém salva quando cai a noite.
Bruno Nogueira irá falhar muitas vezes. Será o preço a pagar pelo seu não conformismo. Espero que não recue perante o abismo. Que confie num instinto que o leva a seguir em frente como se apenas existisse o presente.