“Richard Jewell”, de Clint Eastwood: a desconstrução do herói americano

por Bruno Victorino,    6 Janeiro, 2020
“Richard Jewell”, de Clint Eastwood: a desconstrução do herói americano
“Richard Jewell”, de Clint Eastwood
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Com uma glorificada carreira como ator, Clint Eastwood desenvolveu paralelamente um percurso na realização, a partir dos anos 70. A atual fase tardia do seu trajeto enquanto cineasta não tem sido consensual, apesar de extremamente prolífica (8 filmes na última década!), numa altura em que se encontra perto de celebrar o 90º aniversário. Talvez pelo declarado conservadorismo ideológico que permeia para as suas obras e desconforta o espectador mais sensível. Mas, indubitavelmente, é a forma como o americano coloca em causa os seus princípios e ideais através das imagens em movimento que continuam a mantê-lo como um dos realizadores americanos mais interessantes de seguir.

“Richard Jewell”, de Clint Eastwood

Richard Jewell constitui-se como corolário das tendências das últimas obras de Clint Eastwood, um ápice nesta etapa da sua carreira. Encontramos na narrativa o character study do herói americano (também presente em American Sniper, Sully e 15:17 to Paris), a celebração do homem abaixo do comum capaz de grandes feitos (15:17 to Paris), a problematização da verdade dos fatos (Sully) e o questionamento dos estereótipos associados ao comportamento das instituições americanas (The Mule). 

Eastwood volta a basear-se numa história verídica. Um segurança americano ganhou fama por ter encontrado uma bomba no Parque Olímpico Centenário em Atlanta, durante os Jogos Olímpicos de 1996, salvando centenas de vidas. Mais tarde, foi injustamente acusado de ser o autor do atentado. Existe uma certa predisposição em julgar um filme com estas características pela sua maior ou menor proximidade com os factos. Mas, ao cineasta norte-americano, interessa fundamentalmente a figura de Richard Jewell, e a maneira como o seu mito foi construído e destruído na perceção pública.

“Richard Jewell”, de Clint Eastwood

O protagonista (um fenomenal Paul Walter Hauser) vai sendo confrontado pelas ações das instituições americanas (FBI, comunicação social), que vão progressivamente abalando a sua estóica submissão à autoridade.  Apesar do retrato próximo do caricatural de alguns dos personagens (a jornalista interpretada por Olivia Wilde, por exemplo), é a ambiguidade moral que revelam que os torna palpáveis, enriquecendo a narrativa com os conflitos que se vão estabelecendo entre eles. A direção de fotografia volta a estar a cargo de Yves Bélanger (The Mule), contribuindo para a fluidez dos planos, já presente no filme anterior, e mimetizando sagazmente a sensação de paranóia a que Richard Jewell vai sendo submetido pelas circunstâncias em seu redor.

A imagem da bandeira norte-americana é recorrente neste filme, como tem sido nas suas últimas obras. Clint Eastwood utiliza a sétima arte para questionar a forma como idealiza o funcionamento do seu país, colocando em crise as suas convicções, reflectindo no passado, presente e futuro do american dream, nunca perdendo de vista o papel preponderante do indivíduo comum na evolução da sociedade.

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