Rir para sempre, com alguém que nos leva a sério

por Cronista convidado,    10 Dezembro, 2021
Rir para sempre, com alguém que nos leva a sério
Fotografia de Austin Mabe / Unsplash

Talvez o propósito anatómico, visto de um ângulo romântico, seja tão simples como: rir para sempre com alguém que nos leva a sério. Um cliché é certo, e não é isso o amor também?! É tão fácil gostar da luz de uma pessoa, falar bonito e dizer coisas inteligentes, não é o que sabemos todos hoje em dia fazer com a internet? Já ninguém mostra a vulnerabilidade de não saber algo, não se escuta, só se quer ser ouvido. 

Enaltecemos de um jeito tão emproado o nosso melhor lado para a fotografia, que deixamos muitas vezes de focar o outro. Queremos tanto ser levados a sério, floreamos os traumas, culpamos ex relações ou publicitamos futuros promissores, mas pouco estamos presentes. Por alguma razão não regamos a flor, mas a raiz. É a parte feia e suja que torna uma planta bonita. Mostra-me a criança que há em ti, deixa-me levar-te a sério no teu momento mais ridículo e ver a beleza no teu dia mais triste.

Numa sociedade com tantos adornos, tornou-se cada vez mais complexo ser-se simples. Querer apenas o suficiente tornou-se algo como uma falsa humildade. Temos de querer este mundo e o outro, confunde-se facilmente ambição com passar por cima de tudo e todos. Já não me iludo com personalidades empresariais, palavras caras, dinheiro que não é meu. O amor procura-se na sua forma mais pura e nas coisas mais simples. Como podes entregar-te por inteiro a alguém se ainda estás à espera que te complete? Fica mais atento ao que te acrescenta, não ao que possa preencher os teus vazios, não queiras só ser amado sem saber amar.

Não estou a querer dizer, nem de perto ou sequer de longe, que exista uma fórmula ou uma função para descobrir o nosso resultado amoroso, o tal match. Muitos de nós podemos até passar uma vida sem o conhecer, pode até passar por nós, quando temos as palavras certas mas no tempo errado. Ou porque o vivemos mas não o soubemos valorizar ou simplesmente estragamos tudo. Mas talvez fôssemos mais vezes ao encontro de memórias felizes, se não procurássemos só luz em coisas que brilham.

Marcas e perfumes não limpam o rosto quanto mais a alma. Às vezes roupas caras só deixam marcas e espíritos pobres não nos enriquecem, capitalizamos o amor em rosas e velas e oferecemos demasiadas coisas com pós-cobranças, muitas juras com juros.

Penso que não devemos só ouvir aquilo em que acreditamos. Se não sairmos de vez em quando da nossa zona de conforto e ficarmos sem pé, podemos perder a ocasião de descobrir que afinal até sabíamos voar, que não são precisos assim tantos sentidos para sentir. Se a pressa é inimiga da perfeição, então talvez o amor seja escolher o caminho mais longo, e se o próprio não se define por palavras, o relevante não é evitar o silêncio mas ficar confortável no meio dele. 

Vendados pelo bonito pouco enxergarmos o bem, exigimos compromisso sem cumplicidade e esperamos muitas vezes que alguém nos traga a felicidade sem gostar da sua tristeza. Um tecto sem afecto, é só uma casa e dois estranhos. E é claro que sendo a visão também um sentido, tudo isto deve-nos agradar à vista, mas se não nos desafia emocionalmente, nunca iremos crescer no mesmo sítio. 

Vejo diversos padrões sociais maquilharem a toxicidade de muitas relações, casais esteticamente bonitos e simétricos mas claramente desconfortáveis. Nunca se voa muito próximo do Sol, todos sabemos que queima. Nada nem ninguém é sempre feliz, fugir ao conflito só o torna mais preso a nós e beber para esquecer só resulta nos filmes. As borboletas morrem se não cuidarmos dos ambientes que as envolvem, as nossas ações, se não são voluntárias diluem-se em carências. Precisamos saber responder antes de querer fazer perguntas. Talvez a felicidade não seja permanente e andamos iludidos com uma falsa estabilidade. 

São os teus medos e falhas que moldam a tua personalidade, não me digas o que quero ouvir, faz-me pensar no que digo. Deixa-me respeitar as tuas barreiras enquanto quebramos os meus limites. Precisas parar de correr e chorar e vir sentar e sorrir. O valor do que existe fora de ti não merece a tua ansiedade, até o ser mais forte precisa de afecto, despe essa capa de coragem e vem deitar-te vulneravelmente de Lua cheia. Gostar de coisas díspares, porque quem procura espelhos não encontra horizontes e descobrir que até odiamos as mesmas coisas. Sorrir sozinho com a confiança que se chorar, fazêmo-lo juntos.

Não há dicas de moda ou cursos profissionais para encontrar ou tropeçar no amor, muito menos receitas para a felicidade. Mas talvez tudo comece por descomplicar, deixar de calcular resultados, colocar nomes ou rótulos, desligar o nosso motor de busca e confiar na lei da atração. E veste sempre o teu melhor sorriso, nunca sabes quando irás cruzar com o primeiro dia do resto das vossas vidas. 

Crónica de João Grilo 

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