Saber dizer “não sei”

por Rui André Soares,    12 Dezembro, 2022
Saber dizer “não sei”
Fotografia de Emily Morter / Unsplash
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Há assuntos que quando não se dominam mais vale dizer “não sei, não domino essa área”. É um bom aviso por precaução e honestidade. A conversa, por vezes, até pode inquinar e o inquinar não é perder ou ganhar razão é, somente, para onde a conversa pode ou podia virar em função de valores, crenças e experiências de cada um e sem base de conhecimento.

Como se vive na era das redes sociais, está-se muito formatado para se ter opinião sobre muita coisa. É este o jogo que as redes sociais capitalizam: a interação em função das emoções/gostos. Os algoritmos criam redes de referências, com dados fornecidos por nós, que vão potenciando esta relação entre a máquina e o Homem. Sente-se e faz-se ou escreve-se um tweet/post sobre algum assunto. É a reação ao estímulo que cria o “tudólogo”. “No meu [nosso] ofício o que é difícil é manter silêncio”, escreveu Sam the Kid numa das suas músicas e que é, talvez, a melhor frase de que me lembro para transportar para este contexto e sublinhar a importância de contrariar o estimulo do algoritmo.

Ter opinião é também basear o discurso em factos e isto não quer dizer, necessariamente, estar-se de acordo com e vai muito além do “estar-se informado” (mas deixo este assunto para outra crónica: o conhecimento leva tempo). Como disse Hannah Arendt, em “Verdade e Política” (ed. Relógio D’Água): “Os factos são a matéria das opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e diferentes paixões, podem diferir largamente e permanecer legítimas enquanto respeitarem a verdade de facto. A liberdade de opinião é uma farsa se a informação sobre os factos não estiver garantida e se não forem os próprios factos o objecto do debate.”

Dizer “não sei, não domino este assunto” não tem mal nenhum, não é vergonha nenhuma, e é até uma boa base de pensamento crítico sobre quem se é e quem se quer ser. “O combate para se ser eu próprio trava-se não tendo em conta a felicidade ou o prazer, mas em nome da verdade, da liberdade, da dignidade humana, da elevação moral“, escreve Gilles Lipovetsky em “A Sagração da Autenticidade” (Edições 70, 2022). “A vida autêntica é aquilo que reergue e engrandece o Homem moralmente, é um «perfeccionismo» moral que carrega da ética da autenticidade“, refere ainda o filósofo francês no mesmo livro.

Esta consciência real sobre si mesmo, interior e social (o nosso eu através dos outros), é a primeira porta que se pode abrir para se ter um olhar disponível para assuntos que não se sabe e que se pode procurar saber.

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