São os loucos como Jürgen Klopp que dão vida ao futebol
Hoje é indiscutível que o futebol, dada a predominância nas nossas vidas, não seja já um elemento que faça parte da nossa cultura. Cada um com o seu clube, uns mais fanáticos que outros, havendo ainda aqueles que apreciam a modalidade concentrando-se mais no desenrolar do jogo do que num clube em si, o futebol é cada vez mais um elemento inerente na nossa sociedade. Os onze jogadores em campo dão o melhor de si para que a sua equipa vença, conseguimos admirar sempre um conjunto de jogadores dadas as suas características técnicas e físicas, algo que também leva sempre a discussão.
A juntar a isso, à frente da equipa encontramos aquele que é também o responsável pela orientação, liderança e transmissão de ideias de jogo, sendo também ele o principal alvo a abater caso a equipa não consiga obter os resultados pretendidos: o treinador. Se formos aos mais altos escalões da modalidade, nomeadamente às grandes ligas de futebol europeu, quando se fala de um treinador de um grande clube vemos de imediato, um individuo com uma pose de líder, fato completo, gravata, sapatos a brilhar, tom autoritário e uma atitude predominantemente mental, como se fosse uma espécie de chairman da equipa.
Contudo, em Anfield Road na Inglaterra, estádio do Liverpool Football Club, encontramos um treinador que gosta de distribuir abraços aos seus jogadores, prefere usar fato de treino e boné, conhecido pelos seus óculos redondos e barba loura, com um estilo altamente emotivo e um riso contagiante que o torna num dos treinadores mais aclamados do momento. Se o encontrássemos na rua, e desconhecêssemos o seu paradeiro, mais facilmente passaria por um sósia de Matthew Berninger dos The National do que por um dos treinadores de futebol mais mediáticos do momento. É assim que Jürgen Klopp consegue mostrar a todos que o espetáculo do futebol é feito com um culminar de emoções que poucos treinadores conseguem passar à sua equipa, proporcionando um ambiente contagiante no estádio, graças à sua paixão, dedicação e a uma loucura bastante peculiar que tem tudo de saudável.
Como jogador, a carreira de Jürgen Klopp não foi propriamente idêntica à de um jogador de top mundial. Apesar de ser oriundo de Estugarda jogou praticamente toda a sua carreira no MSV Mainz 05, clube que esteve sempre no segundo escalão da Alemanha enquanto fora jogador. Em 2001, após ter terminado a sua carreira, surgiu a oportunidade de treinar o clube que representou durante 11 anos com a missão de o colocar pela primeira vez na Bundesliga, o mais alto escalão do futebol alemão. Depois de uma luta intensa onde o fracasso chegou mesmo a acontecer, tal feito foi conseguido em 2004 permanecendo na Bundesliga durante três anos onde o Mainz mostrou que, apesar de ser uma equipa pena era capaz de causar estragos às grandes. Em 2007 após a descida de divisão, a equipa falha a promoção e ao fim de um total de 18 anos de serviço ao clube, Klopp acaba por abandonar a equipa em 2008, numa despedida altamente emotiva. Ainda assim o seu estilo chamaria à atenção dos maiores clubes da Alemanha e o caminho que chegava ao fim iniciar-se-ia rapidamente com outro: o Borussia de Dortmund, um dos icónicos clubes alemães contratara-o no mesmo ano com a missão de levar o clube novamente às épocas de glória.
Com um plantel mais modesto relativamente a outros clubes alemães, mas cheio de jovens talentos, Klopp conseguiu levar o clube a vencer dois campeonatos em 2011 e 2012, uma final da liga dos campeões em 2013 onde tombou frente ao bem conhecido e super poderoso Bayern de Munique, contando ainda com uma taça e três supertaças. O Borussia de Klopp parecia renascido dos seus tempos de glória, contando com jogadores da formação altamente rentabilizados, resultados impressionantes e acima de tudo um futebol atractivo que daria bastante que falar. O próprio chegou a caracterizar o seu futebol como se fosse um concerto de Heavy Metal, quando lhe perguntaram de que modo o poderia descrever. Contudo, parte do plantel fora seduzido pelo Bayern de Muinique e em 2015, após uma época pouco feliz onde o clube chegou mesmo a estar no último lugar do campeonato, Klopp abandona o cargo de treinador com uma enorme ovação das claques no seu último jogo enquanto treinador.
Klopp iniciava assim o primeiro período sabático da sua carreira que não duraria tanto tempo como se esperaria. Após a tentativa de alguns clubes, em Outubro desse mesmo ano recebe o convite de um dos mais carismáticos clubes ingleses: o Liverpool Football Club. Numa altura em que o clube atravessava uma fase menos boa da sua história (não vence um campeonato desde 1990), o Normal One (como se auto intitulou quando lhe perguntaram se, tal como José Mourinho, também era especial) conseguiu colocar a equipa a jogar um futebol atacante graças a contratações de jogadores extremamente talentosos, promovendo o espetáculo com a ajuda dos adeptos que demonstram uma paixão intensa pelo clube a cada jogo. A juntar a isto, Klopp conseguiu introduzir uma crença que se junta à vontade de vencer dos jogadores que permitiu várias remontadas que são só possíveis em equipas com o espírito de união e paixão que só o Liverpool possui. A mais recente foi a viragem de uma segunda mão das meias finais da liga dos campeões onde, depois de uma derrota por 3-0 contra um Barcelona cheio de estrelas e de tradição vencedora, conseguiu uma remontada ao vencer por 4-0 em Anfield Road, mesmo com baixas de peso.
Apesar de ter demorado algum tempo a ganhar novamente um troféu, Klopp conseguiu finalmente dar um pontapé a uma sequência de finais perdidas ao derrotar o Tottenham Hotspur, clube que fez um percurso extraordinário por nada ter investido nas últimas janelas de transferências e que conta com Mauricio Pochettino como treinador, um dos grandes obreiros desse feito. Ao fim de várias finais perdidas foi desta que o alemão de 51 anos conseguiu vingar-se na sua terceira final da Liga dos Campeões, dando a sexta “orelhuda” ao clube inglês que continua a ser um dos mais gloriosos clubes do mundo. Jürgen Klopp já conseguiu provar que são pessoas com as suas características que conseguem manter viva a paixão no futebol, algo que é reconhecido até mesmo pelos adversários. Um desporto que tem tanto de apaixonante e de mental como de humano, necessita cada vez mais de pessoas com esta loucura saudável que o consigam promover. Klopp é neste momento a prova de que como essa loucura saudável consegue transmitir às ao adeptos um conjuntura de paixão, união, crença, harmonia, fair-play, vertentes que fazem parte do célebre cântico You’ll Never Walk Alone associado aos adeptos do Liverpool. E é graças a pessoas como Jurgen Klopp que o futebol, enquanto modalidade desportiva e vertente cultural e humana, nunca deixará de andar sozinho.