Saúde mental enquanto prioridade, ou…como fazer do mundo um lugar melhor?

por Cronista convidado,    10 Outubro, 2022
Saúde mental enquanto prioridade, ou…como fazer do mundo um lugar melhor?
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A pandemia da COVID-19 entrou há quase três anos nas casas de todos nós e, com ela, trouxe medo, solidão, angústia e uma até então inimaginável universalização da experiência do sofrimento humano. Nesses momentos tão profundamente negativos para a vida de tantas pessoas mas, simultaneamente, tão transformadores para com o estigma associado à doença mental, tornou-se claro para (quase) todos que a linha que separa o continuum entre a saúde e a doença mental é, afinal, muito mais ténue do que poderíamos imaginar.

Muitos daqueles que, até então, nunca ou quase nunca se tinham sentido marcadamente ansiosos, sentiram dificuldade em respirar, dificuldade em adormecer e/ou pensamentos ruminativos acerca das potenciais consequências da pandemia. Muitos daqueles que, até então, encaravam a depressão como algo que só afeta os outros — não raras vezes, erroneamente, associada aos mais “fracos” — sentiram-se tristes, com pouca vontade de realizar quaisquer tarefas e alterações do sono e/ou do apetite. No fundo, quase todos puderam experienciar uma pequena amostra do sofrimento diário sentido por quem vive e convive com problemas de saúde mental.

É incontestável que a atenção prestada atualmente à saúde mental é profundamente superior àquela que lhe era dada antes da pandemia da COVID-19, tendo essa sido uma das (poucas) transformações positivas oferecidas pela crise sanitária. É precisamente essa mudança de paradigma societal que leva a que hoje, dia 10 de outubro de 2022, o tema do Dia Mundial da Saúde Mental possa ser “Fazer da Saúde Mental e do Bem-Estar para Todos uma Prioridade”. 

A mensagem do dia é clara: num mundo que atravessa uma pandemia que ainda não terminou, num mundo em que a guerra assola e destrói as vidas de milhares e milhares de pessoas, num mundo em que as alterações climáticas geram, sobretudo entre os mais jovens, uma apreensão que em muito interfere com o seu bem-estar, ninguém pode ser deixado para trás. Desde as pessoas que vivem em países desenvolvidos mas não recebem tratamento adequado para a sua doença mental, passando por aquelas que vivem em países subdesenvolvidos e que não têm acesso a qualquer tipo de tratamento, até àquelas que não apresentam problemas de saúde mental mas que veem a mesma ameaçada pelas crescentes desigualdades sociais e económicas, todos devem ser alvo da atenção das políticas de saúde mental.

É evidente, face aos fatores de risco anteriormente referidos, que ninguém detém tanto poder sobre a saúde mental dos cidadãos quanto os decisores políticos. É a eles que cabe encontrar soluções de paz, é a eles que cabe definir políticas que permitam minimizar as alterações climáticas, é a eles que cabe implementar medidas que visem a redução das desigualdades. Não obstante, os profissionais de saúde têm, também, um papel fundamental nesta matéria. Não raras vezes, embora com menos recursos do que seria desejável, são estes quem assume a dianteira no que concerne à promoção da saúde mental, à prevenção e tratamento da doença mental e à reabilitação psicossocial.

Na segunda década do século XXI, em Portugal e em todo o mundo, percebe-se com clareza que a abordagem à saúde mental tem, mandatoriamente, que ocorrer de forma transdisciplinar. Longe vão os tempos de uma visão visceralmente biomédica da Psiquiatria, sendo agora evidente que sem enfermeiros especialistas em enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, médicos psiquiatras ou psiquiatras da infância e da adolescência, psicólogos clínicos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais a atuar de forma integrada e articulada, muito mais é o que se perde do que os ganhos que se obtêm.

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, que todos sejamos capazes de prestar a devida atenção aos profissionais de saúde que atuam nesta área e de lhes agradecer por, ao longo de tantos anos, nunca terem desistido de remar contra a maré do estigma e da discriminação para dar um pouco de dignidade àqueles para quem muitos olham, mas poucos conseguem ver. Obrigado por todos os dias ajudarem a fazer do mundo um lugar melhor!

Crónica de Francisco Sampaio.
Presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros, Professor na Escola Superior de Saúde Fernando Pessoa e Investigador Integrado no CINTESIS@RISE.

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