Saúde mental. Primeira crónica, primeiro passo
Recebi com bastante satisfação o convite para contribuir para o universo da Comunidade Cultura e Arte (CCA) com crónicas regulares acerca da área da Saúde Mental. Dentro de todo o impacto negativo que a COVID-19 nos trouxe, o facto de ter afectado tantos de forma tão transversal em termos de sintomas psicológicos, veio permitir que as pessoas discutissem esses sintomas entre elas sem o medo da incompreensão. Isso vem levando a que a Saúde Mental seja uma preocupação das pessoas de todas as faixas etárias e essa será a chave para a resolução de muitos dos problemas crónicos existentes nesta área. Este convite é, a meu ver, um dos exemplos deste impacto positivo que deve ser aproveitado.
Importa começar por explicar o que é a Saúde Mental, que não pode ser confundida com a mera ausência de doença. É, sim, um estado de bem-estar em que cada pessoa realiza seu potencial, sendo capaz de lidar com os factores stressores normais da vida, conseguindo trabalhar de forma produtiva e sendo capaz de contribuir para a sua comunidade, sentindo-se integrada. Dessa forma, podemos concluir que a Saúde Mental é uma parte daquilo que é a Saúde como um todo e é desta indissociável.
Em Portugal, vimos tendo uma posição evitante em relação às questões da Saúde Mental — existe um Programa Nacional para a Saúde Mental, que cronicamente é adiado na sua execução e preterido no que diz respeito à alocação de orçamento. Esta forma de lidar com a área vem fazendo com que não se chegue de forma adequada a uma parte importante da população e com que não se consiga criar estruturas que assentem numa medicina preventiva em vez de reactiva. Basta pensarmos que Portugal tem um custo anual estimado com esta área (directo e indirecto) na ordem dos 6600 milhões de euros. Este valor ronda os 3,7% do nosso PIB e, ainda que mais de um quinto dos portugueses sofra de algum tipo de perturbação psiquiátrica, o orçamento que alocamos à Saúde Mental continua a rondar apenas 5% da totalidade do orçamento atribuído à Saúde, quando nos países centrais da Europa este número se encontra acima dos 7% e países como o Reino Unido têm anos nos quais alocam a este sector cerca de 14%. É impossível que consigamos inverter o lugar que ocupamos na cauda da Europa se algo não mudar — segundo um relatório do ano 2013, apenas a Irlanda nos ultrapassava quanto à prevalência de perturbações psiquiátricas. É altura de tomarmos consciência desta realidade e de procurarmos medidas que possam inverter esta tendência.
Parece-me natural que se apele a que o Plano de Recuperação e Resiliência acomode os custos em falta para com a área da Saúde Mental. Não apenas por haver o período pandémico criado um aumento dos sintomas relacionados com a área, mas por ser uma oportunidade de colmatar as consecutivas falhas que se fazem sentir na área. Sem investimento, não evoluiremos para os indicadores de Saúde aos quais temos direito. Urge que se dê um primeiro passo firme. Urge que exista vontade!