Ser boa pessoa nem sempre faz parte de uma escolha bonita
Aquilo que a gente quer, nem sempre é o que a gente precisa. Deduzo que já o tenhas ouvido em algum lugar, sei por experiência própria o quanto nos pode custar confrontar o nosso conforto, mas é necessário. Quando te valorizas ao ponto em que não te permites ser uma opção mas sim a vontade de alguém e deixas de te alimentar de migalhas emocionais, é possível que encontres um templo de forças e novos ângulos de perspectiva dentro de ti.
As pessoas também são caminhos, abandonamos alguns por não os conseguirmos percorrer, outros talvez tenham trilhos demasiado planos. E de repente… isto é mais gente que pessoas. A coexistência tornou-se tão plástica, é como se já só assistíssemos ao filme tipicamente americano. Uma cara bonita principal, cenas de explosões e pancada que nos enchem a vista, mastigamos e já está, não se conhece a fundo o senhor da mercearia, o vigilante da cancela ou a viúva solitária. E a vida, felicidade ou amor nem sempre estão à vista, ou numa visão central, há mais horizonte do que espelhos.
Todos crescemos mas nem todos amadurecem. Uns carregam flores mas não criam ramos e um dos vértices da evolução e autoconhecimento, para mim, é quando despimos o nosso ego para vestir a empatia pelo próximo mas existem coincidências assim como contradições em todas as mudanças, por isso sim, outro vértice é quando identificamos que carecemos de colocar a nossa pele em primeiro lugar. Distinguir arrogância de convicção, nem todo o oposto é ódio, gostar mais de mim, sem gostar menos de ti. Alimentar a justiça para que não tenha sede de vingança, cuidar do espaço em vez de correr contra o tempo, olhar mais para dentro e não tanto em redor.
Vamos até onde sabemos ou onde queremos? O poeta espanhol Eduardo Galeano defendia a utopia como uma ferramenta para continuarmos a caminhar. É possível que a equação da nossa felicidade passe por essa similaridade. Procuramos talvez pôr uma ordem ao nosso caos, e nem sempre cabe sabedoria onde há aventura. Temos de viver todas as nuances e variantes, nem tudo é linear e é de forma espontânea que cometemos os erros mais perfeitos. Pode por vezes ser até assustador olharmos para nós, mas os fantasmas que nos aparecem mais tarde por não o fazermos, conseguem ser mais sombrios. Podes fechar os olhos para o que não queres ver mas não consegues fazer com que o coração pare de sentir.
Nem sempre a escolha é bonita e também nem sempre os melhores espetáculos careciam do maior público. Arriscar sujar as mãos sem manchar a alma, saber que ser-se forte não obstem que tenhamos dias que nos sintamos cansados, ter a coragem de ter medo. Há uma citação do escritor Pedro Miranda muito peculiar “Tentando fazer o certo, mas tropeçando em tudo o que há de errado”. Não é suposto vivermos numa alta frequência de felicidade todos os dias, muito menos acertar em tudo à primeira eou nascer ensinado. Ultimamente sinto que o ar transporta uma maresia de uma pseudo intelectualidade, tanto ruído de informação e poluição sonora. Às vezes parece que andamos a regar pântanos em vez dos jardins que nos pertencem.
Não gosto muito de quando nos pomos a definir, o teimoso, o ambicioso, o traidor ou mal-disposto. Creio na ideia de que todos somos um pouco de tudo, em determinadas alturas da vida, conseguimos ser o que não fomos numa inteira. Há níveis diferentes em cada um de nós, uns mais nostálgicos, outros menos rancorosos, mas acredito que todos sentimos de tudo quando estamos abertos a compreender a causa e efeito das nossas ações e reações, claro. Todos podemos sentir tudo, as piores coisas, mas dentro de nós. É nesses momentos que revelamos a capacidade da nossa inteligência emocional, o que exprimimos e como o dizemos e talvez quem muito fala pouco aprende, já lá me dizia um dos meus avôs.
Nem todas as escolhas são bonitas, nem todas as pessoas são boas e as nuvens cinzentas também não são eternas. O sucesso não é uma constante celebração nem o equilíbrio é feito de calma. A chuva não é triste e nem só de verão vive a praia. Pensamos muito que compreendemos, quando nem sempre agimos de acordo com o que pensamos. Vive todas as tuas fases mas me ames consoante a tua lua. Temos de ceder e aceitar, esta experiência de estar vivo não nos faz sentido se não envolver partilha, acreditar mais no que fazemos do que ser convencidos a fazê-lo.
Não há encore, pelo menos no mesmo corpo e vida, por isso deixa de adiar o que te faz bem com medo de não estar certo, não há nada de errado quando fazes o que sentes sem que ninguém se sinta mal.
Crónica de João Grilo.